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Maputo
_Moçambique é um país maravilhoso. Tem belezas naturais inimagináveis, tem fauna e flora riquíssima, tem solo fértil e rico, tem um povo simpático, acolhedor, bem humorado, respeitador. Mas continua com um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos do mundo. Tem alguns problemas e dificuldades tão entranhados no país, que o brilho de tudo isso que é bom acaba por se apagar.
Depois de conviver e conhecer mais a fundo esse povo e esse país tenho acreditado cada vez mais que o que falta aqui é autoestima. O moçambicano precisa acreditar mais em seu potencial e valorizar o que faz, o que tem, o que é. Vivendo em Maputo, no sul do país, estamos muito perto da fronteira com a África do Sul. Não sei se o mesmo se repete em outros pontos do país, mas aqui chega a ser enervante o quanto o moçambicano valoriza seu vizinho, sem aplicar a ele o mesmo senso crítico que aplica a si próprio. Sim, a África do Sul é mais rica, tem mais desenvolvimento tecnológico e seu Índice de Desenvolvimento Humano é melhor. Mas a África do Sul está bem longe de ser o exemplo do tudo perfeito que os moçambicanos vêem. Estou hoje em Cidade do Cabo, a quarta cidade que conheço da África do Sul. As outras foram Nelspruit, Joanesburgo e Pretória, sem contar o Kruger Park, que é um mundo à parte. Em todos esses lugares sofri com atendimento ineficiente, vi lixo na rua (bem menos que em Maputo, é verdade, mas vi), vi favelas, encontrei gente pedindo esmola, convivi com serviços mal feitos e gente sem educação, enfim, vivenciei problemas. Mas quando o moçambicano fala da África do Sul, fala do país perfeito, de cidades sem favelas, do lugar onde todos têm emprego e ganham bem (verdade que ganham mais que em Moçambique, mas gasta-se mais também), do lugar limpo onde o povo não faz xixi na rua. Ou seja, os moçambicanos tendem a não ver os problemas que também existem (talvez em menor escala) no seu vizinho. E mais: não percebem que os problemas que não existem no vizinho dependem, em muito, da atitude do próprio povo. Quem faz xixi na rua em Maputo? Os postes? Não, o povo. Quem joga lixo a céu aberto? As árvores? Não, o povo. Talvez, falte ao moçambicano perceber que se ele cuidar do que está a volta dele, pode conseguir um ambiente melhor e ter o que tanto acha bonito no seu vizinho. Isso me lembra muito a atitude de alguns brasileiros com relação aos Estados Unidos. Vivem dizendo que “se fosse nos Estados Unidos não seria assim”, “lá as coisas funcionam”, “lá as pessoas são sérias”… Eu vivi lá e pude ver de perto e sentir na pele que não, não é nada disso… Talvez se o moçambicano notar o seu valor, as suas cidades bonitas e a sua terra fértil, consiga fazer com que tudo isso seja igual ou melhor do que o que está no vizinho. Falta se perceber capaz, se valorizar e não se deixar abalar por uma fronteira. O mesmo moçambicano que passa o dia na África do Sul sem fazer xixi na rua, o faz quando chega em Maputo. Por quê? Porque “aqui é assim mesmo”. E se cada um resolver que não quer mais que seja? Sandra Flosi
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_Antes de começar, esclareço que não vou fazer uma ode ao passado – até porque não conheci Moçambique “no passado”. Só vejo bem de perto os problemas, mazelas, desigualdades, injustiças, pobreza, etc, etc, etc, de hoje. Muitos, obra dos atual e passados governos, opções políticas e econômicas locais e globais, etc, etc, etc.
Mas muitos – muitos – diretamente deixados pelo colonialismo. “Lourenço Marques (nome que Maputo tinha antes da independência) era linda”. “Pérola do Índico”. “Uma das poucas cidades do mundo com rede elétrica inteiramente subterrânea”. “Pujante, mas bem organizada”. “Limpíssima”. Pode tudo ser verdade. Mas, neste cenário, viveu-se uma história – que tem efeitos sobre ele. Se quem mantinha a cidade assim no tempo da colônia tivesse pensando no futuro dela (e não só no seu), a Maputo de hoje poderia estar, ao menos, bem mais perto disso. Aqui, em 1975, quando houve a independência, 96% da população moçambicana era analfabeta. De maneira geral, escola era pra colono. Os poucos que conseguiram ir além disso (Mondlane, Samora, Chissano – só pra ficar nos mais famosos) trataram de lutar pra se livrar de quem os oprimia. Quem não faria igual? As populações das colônias foram marginalizadas, exploradas, torturadas, aviltadas pelos colonizadores. E teve guerra – que só deixa perdedores sempre. Teve guerra e teimosia: no caso moçambicano, os colonizadores teimaram em não sair até o fim, impossibilitando que o país se preparasse para tomar conta de si próprio. Até mesmo depois de anunciado o acordo pela independência, fechado em Lusaka, houve o episódio da tomada da Rádio Moçambique pelos portugueses inconformados. Muita gente morreu, e a resistência gerou resistência: o novo governo, socialista, endureceu as circunstâncias para os portugueses que queriam ficar. Foi instituída a famosa lei “20/24″ – quem quis ir, só pôde levar 20 quilos de pertences, e deixar o país em 24 horas. Ponha racismo – de lado a lado – por cima de tudo. Logo depois, veio a nacionalização. Logo depois, veio a guerra civil. Logo depois, veio a abertura para economia de mercado. Logo depois, veio hoje. É assim, rápido mesmo. E hoje… bem, hoje quem conta é o jornal A Verdade, texto aí debaixo – que justifica o título do post. Reportagem publicada nesta quinta-feira, 28 de julho de 2011. 36 anos a Degradar Moçambique assinalou no passado dia 24 de Julho a passagem dos 36 anos das nacionalizações. Esta medida foi tomada pelo primeiro Governo pós-independência chefiado pelo então Presidente Samora Moisés Machel e tinha como objectivo conceder ao povo moçambicano o direito ao acesso à educação, justiça, saúde e habitação. _Quando se entra em Moçambique, no aeroporto, há grandes cartazes que pedem aos usuários do serviço público que não paguem nada além das taxas oficiais. Já vi a mesma campanha em outros espaços e até anúncios na TV. As propagandas também lembram aos funcionários públicos que receber dinheiro dos cidadãos é contra a lei.
Mesmo assim, com todo mundo que conversamos, sempre há uma história de corrupção a ser contada. Às vezes nem é declarado ou tratado como tal. Acho que foi o que aconteceu comigo, que ainda não tinha nenhuma história dessas para contar… Fiz uma compra na internet de um produto que não há em Moçambique. O produto foi enviado diretamente da loja, em São Paulo, para mim. Chegou à minha casa o aviso de que havia encomenda a retirar no correio central. Nem era um pacote grande, mas aqui o carteiro só entrega envelopes. Fui ao correio, lá estava o pacote e um formulário para eu retirar indicando a taxa de MT 130,00 por terem armazenado o pacote da sexta-feira, quando fui avisada da chegada da encomenda, até a segunda-feira, quando fui retirar. Até aí, tudo bem. Eu já ia colocando a mão no pacote, depois de ter pago os MT 130,00, quando o funcionário do correio me informou que tínhamos que ir até a alfândega, para fazer cálculo das taxas. Dirigimo-nos à porta ao lado. Lá o funcionário da alfândega pegou o pacote, pegou a nota fiscal que o acompanhava, somou o valor do produto com o valor do frete cobrado pela empresa brasileira – anotando tudo à mão, num canto de um papel qualquer que estava em cima do balcão – e multiplicou por 22. Imagino que essa operação fosse para chegar ao valor que eu gastei em meticais, uma vez que o valor do real é quase isso. Olhou o resultado, calculou 7,5%. Olhou mais uma vez o resultado e, com cara de quem não estava satisfeito, calculou 3,5% e somou ao resultado anterior. Olhou o resultado, parece que agora gostou e anotou no mesmo papel, já todo rabiscado com outras tantas coisas (entre elas possíveis contas de mulungos — estrangeiros, brancos — como eu): MT 841,00. — A senhora tem que pagar MT 841,00 de alfândega para retirar a mercadoria. Pode dar só MT 800,00, para arredondar. Fiquei confusa, mas por um momento achei que podia ser. Foi nesse momento que paguei. Claro que ele se esgueirou para um canto para receber. Depois, já no carro, percebi que, da forma como ele fez, ninguém tinha visto eu pagar. Mas isso só me veio à cabeça quando estava voltando para casa e, repensando o que se passara, me dei conta de que não recebi nenhum recibo da “taxa de alfândega”. Enfim, juntando todas as cenas daquela manhã na minha cabeça lerda, acho que só os MT 130,00 foram de fato para o governo. Os MT 800,00 foram uma propina velada, não pedida, não extorquida, não negociada. Lição aprendida. Vou receber outras coisas pelo mesmo correio. Vou pedir recibo que explique as contas e discrimine o pagamento. Vou pagar a falar bem alto: “Aqui estão os MT 800,00 da taxa de alfândega”. Se ainda assim ele receber. Se eu levar comigo um recibo oficial das alfândegas discriminando o pagamento, tudo bem. * No português brasileiro, propina significa dinheiro que se oferece a alguém em troca de favor ou benefício quase sempre ilícito, é aquela gorjeta forçada. Sandra Flosi Contando com os preparativos – que não foram poucos – a África já é parte da nossa vida há mais de dois anos.
Aqui em Moçambique, lá se vai mais de ano e meio. Vir não foi uma decisão simples. Mas voltar também não foi. Aqui criamos novos hábitos, aprendemos coisas novas, visitamos lugares lindos, recolhemos muito conhecimento (além de uns livrinhos, roupas muito bonitas e muitos enfeites para casa…). Mas, principalmente, fizemos amigos. Gente que nos acolheu sem sequer nos conhecer, que nos ajudou a estabelecer uma rotina, nos acarinhou, muito nos ensinou pelo simples prazer de nos ter por perto. E também muita gente que nunca vi, outros que nem sequer falei, mas que lêem o que escrevo no ElefanteNews, no Facebook e no Twitter, comentam de volta, e que só conheço por escrito. Em alguns casos foi um reencontro, depois de muitos anos – real e virtual. Nova prova de que tempo e distância não atrapalham as verdadeiras amizades. E minha vida de andarilho já me mostrou mais de uma vez que são elas que ficam. Não sei como agradecer, porque realmente não há como. Não há o que retribua a generosidade da companhia, o prazer da convivência, a alegria do compartilhar. Tentarei assim: muito obrigado, sinceramente. Vida que segue, diria João Saldanha. Em breve, a TV Brasil/EBC (o que me trouxe, inicialmente) vai mandar novo correspondente para a África, que também ficará baseado em Maputo. O ElefanteNews (eduacatro.wordpress.com) surgiu de nossa vinda para cá, mas – caminante que é – vai continuar a abrir suas sendas por aí. Ele sai de férias comigo, mas deve voltar, de barba feita e banho tomado, assim que nos reestabelecermos em algum lugar. “Em algum lugar” porque não sabemos exatamente onde será. Estamos retornando ao Brasil por razões familiares e, por isso, devemos ficar perto de onde está a maior parte da família – São Paulo. Mas é duro voltar para uma cidade deste tamanho depois de 12 anos fora. Assim, estamos vendo com calma. Não é todo canto que aceita um elefante… O mesmo vale para o futuro profissional. Não sei onde, mas certamente será “trombando com as notícias, sempre contra a manada”. Ate breve. Eduardo Castro O Mia Couto é hoje o mais bem conceituado escritor moçambicano. Eu já revelei minha admiração por ele aqui, no post Quanto melhor, mais simples.
Para além de ser um grande escritor e ótima pessoa, Mia sempre rende boas histórias. Entrevista sua é deleite na certa. Transcrevo abaixo trecho de uma resposta que ele deu em entrevista aos alunos do 3º ano do Ensino Médio do Colégio São Luís, em São Paulo, transcrita por Marina Azaredo e divulgada no blog Moçambique para todos. À pergunta como é ser escritor em Moçambique, Mia respondeu: “Vou contar um pequeno episódio que pode ajudar a responder a essa questão. Um dia eu estava a chegar a casa e já estava escuro, já eram umas seis da tarde. Havia um menino sentado no muro à minha espera. Quando cheguei, ele se apresentou, mas estava com uma mão atrás das costas. Eu senti medo e a primeira coisa que pensei é que aquele menino ia me assaltar. Pareceu quase cruel pensar que no mundo que vivemos hoje nós podemos ter medo de uma criança de dez anos, que era a idade daquele menino. Então ele mostrou o que estava a esconder. Era um livro, um livro meu. Ele mostrou o livro e disse: “Eu vim aqui devolver uma coisa que você deve ter perdido”. Então ele explicou a história. Disse que estava no átrio de uma escola, onde vendia amendoins, e de repente viu uma estudante a entrar na escola com esse livro. Na capa do livro, havia uma foto minha e ele reconheceu-me. Então pensou: “Essa moça roubou o livro daquele fulano”. Porque como eu apareço na televisão, as pessoas conhecem-me. Então ele perguntou: Esse livro que você tem não é do Mia Couto?”. E ela respondeu: “Sim, é do Mia Couto”. Então ele pegou o livro da menina e fugiu.” Mia é isso. É uma capacidade de ser leve para falar das coisas difíceis que vê e uma perspicácia admirável para saber falar de um mundo desconhecido a platéias de todo canto. Só ele poderia contar assim a relação dos moçambicanos com o livro, que é algo caro, inacessível para a maioria e ainda muito novo… Sugiro a leitura da entrevista completa no texto Onze perguntas de crianças para Mia Couto e uma entrevista inspiradora feitas numa escola brasileira. Sandra Flosi Há alguns dias, Afonso Dhlakama, presidente da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido de oposição ao governo de Moçambique, passou a ganhar mais espaço nos jornais do país, ao apresentar proposta de reagrupar seus antigos guerrilheiros desmobilizados em um quartel-general em Cabo Delgado. Em seguida, a Renamo voltou a falar sobre organização de manifestações em todo o país. A promessa de tais manifestações foi feita inicialmente logo após as eleições gerais de 2009 e seriam protestos contra alegadas fraudes nas eleições.
As manifestações e o reagrupamento dos guerrilheiros fazem parte de uma revolução que está sendo incitada por Dhlakama. Note-se que o líder da oposição chama a ação de revolução pacífica. Peço que me explique quem puder, em que português é possível ter sentido a expressão “revolução pacífica”. E se vai ser pacífica, para que é preciso então, os ex-guerrilheiros serem aquartelados para “assegurar a defesa dos cidadãos que decidam aderir”, como afirmou o porta-voz da Renamo, Fernando Mazanga, em entrevista à Voz da América. Aliás, o mesmo porta-voz afirmou ainda que o partido possui armas de fogo, que serão disponibilizadas aos guerrilheiros aquartelados. Pacífica… Segundo a Renamo, a ação é resultado da insatisfação dos antigos guerrilheiros com a atual situação do país e incumprimento, por parte da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), do acordo geral de paz, especialmente, no que diz respeito à formação do exército nacional. O objetivo é que até o final do ano corrente o partido no poder promova uma transição gradual e a Renamo assuma o governo. Vale observar que a Renamo surgiu como dissidência da Frelimo, após a independência de Moçambique. A Frelimo era partido único e governava o novo país. Então, Renamo e Frelimo protagonizaram uma guerra civil, que durou 16 anos, terminando em 1992. Note-se também que até as ondas do Pacífico sabem que eleição por aqui é assunto obscuro. Sempre se diz que há muita confusão nas eleições, que talvez o resultado fosse mais apertado do que foi nas últimas eleições e há quem fale até que a Frelimo tem apoio de organismos internacionais e por isso está aí. Tratei sobre o tema no post Democracias. Mas, é preciso dizer que, inclusive para agradar os tais organismos internacionais, o governo atual tem feito algumas alterações nas regras da dinâmica eleitoral, visando dar mais transparência e domonstrar lisura no processo. Agora, uma coisa (a confusão nas últimas eleições) não pode justificar a outra (chamado à revolução, ainda que com a capa de “pacífico”). Seja lá como for, Moçambique é um estado de direito democrático, há liberdade de expressão e há meios verdadeiramente pacíficos de se mudar uma situação que desagrade à grande massa da população. Claro está que esses meios dão muito mais trabalho. O pensamento das lideranças de oposição tem que ser muito elaborado. As ações e declarações têm que ser mais assertivas e menos espalhafatosas. Nem sempre se está disposto a tanto. Na mais recente edição do jornal Domingo (7 de agosto de 2011), o editorial bateu de forma certeira em alguns pontos que devem ter destaque nesse enredo todo: “A construção democrática do Estado exige um repensamento contínuo e uma organização em função do bem comum, com leis que criem condições para que a parte má do ser humano nunca consiga arvorar-se em sistema jurídico, privilegiando os egoísmos castradores do desenvolvimento do povo em cidadania”. Afirma ainda o editorial que, no país, “o incitamento à guerra, à violência, é crime e deve ser reprimido como tal. Afonso Dhlakama privilegia o caminho da violência e da guerra, para conseguir chegar ao poder”. Mas o texto logo observa, talvez para tranqüilizar o leitor, que “dada a sua personalidade, há a tendência generalizada para o não levar a sério”. Sendo levado a sério ou não, o que se sabe, e o editorial confirma é que “Dhlakama virou agitador, ameaçando, publicamente, dar tiros na cabeça aos polícias que contrariem os seus intentos belicistas”. No editorial, o veículo de comunicação defende que Dhlakama seja chamado à ordem enquanto é tempo. “Não por contestar o regime, não por advogar a sua reestruturação, mesmo a sua destruição, direito que lhe assiste, mas por advogar tudo isso com recurso à guerra. E sugere: “Que crie jornais, que ponha de pé estações de rádio e televisão. Que se bata, com denodo, informando o povo, que privilegie o conhecimento que é o substracto da liberdade e da construção do Estado. Será o povo informado a pronunciar-se”. Concordo plenamente com a sugestão do Domingo. Mas, conforme escrevi no post já aqui citado Democracias, não sei se a oposição em questão tem habilidade política e intelectual para tanto. Como já observei, esta via dá mais trabalho e exige capacidade intelectual mais elaborada do que a que temos visto. Veja mais sobre o reagrupamento de antigos guerrilheiros, em notícia do Moçambique para todos. Sandra Flosi Em Moçambique acaba de ser inaugurada uma nova Instituição Bancária, de seu nome, Banco Único, um Banco com a marca e rostro de Américo Amorim. A Instituição detêm um capital inicial de 20 milhões de dólares e destaca-se pela originalidade do seu conceito, mais do que um banco, pretende ser um lugar de requinte, basta reparar na decoração glamourosa das sucursais, mais parecem resorts de luxo.
O posicionamento no mercado, parece-me claro, é um banco vocacionado para à classe alta, os mais ricos, a elite moçambicana. Muitos Leitores poderão estar a questionar-se, mas Moçambique tem potencial para ter um banco exclusivamente vocacionado para este segmento? Tem. E o potencial será cada vez maior. Um dos primeiros indicadores que poderá indiciar a emergência de uma nova classe muito alta em Moçambique, é o facto, da Cimenteira Cimentos de Moçambique duplicar em um ano a sua produção, atingindo o valor de 1,4 milhão de toneladas (não incluo o valor das importações). Um aumento na produção de cimento significa que iremos assistir a um acréscimo de actividade nas obras públicas e no sector imobiliário, portanto, se existe um acréscimo no sector imobiliário isto significa que existe uma previsão de acréscimo na procura e um aumento do poder adquisitivo. O sector imobiliário em Moçambique esta estritamente vocacionado para a classe alta. No entanto, ainda não foi explicado, de donde, vai emergir esta nova classe alta em Moçambique? O segundo indicador a ter em consideração, e o mais importante, resulta do potencial carbonífero moçambicano, num recente estudo da Economist Intelligence Unit, é possível e provável, a província de Niassa ter o mesmo potencial carbonífero que a província de Tete. Este facto, a confirmar-se, é bastante assinalável, porque neste momento as exportações de carvão representam 3% do PIB, é expectável, dentro de 3 anos alcancem os 7% do PIB; inclusivamente, num futuro próximo, segundo palavras da Ministra dos Recursos Minerais, Esperança Bias, a mineração em Moçambique poderá atingir 30% do PIB. Os dados apontam para que Moçambique se possa transformar num dos maiores exportadores mundiais de minério. Para ter uma noção, em Moçambique existem projectos em curso pelas maiores empresas do sector, como, a Rio Tinto, a Riversdale ou a Vale, com projectos orçamentados entre 1.7 e 4 biliões de dólares. Portanto, será com naturalidade que vamos assistir ao emergir de uma nova classe alta em Moçambique com muito poder adquisitivo, ou seja, com muito dinheiro. Onde há muito dinheiro, há sempre Bancos. Portanto, Américo Amorim, como grande empresário que é, limita-se a estar no lugar certo, no momento certo. Miguel Amaral Durante o apartheid, Moçambique foi destino para muitos exilados sul-africanos. Entre tantos integrantes do CNA (Congresso Nacional Africano), o ex-presidente Thabo Mbeki – primeiro sucessor de Nelson Mandela – e o atual presidente, Jacob Zuma, viveram aqui.
Recentemente foi lançada, até, a pedra fundamental de um memorial que vai lembrar o episódio que ficou conhecido como “raid na Matola”, que matou 14 sul-africanos exilados que viviam na cidade vizinha à Maputo. Uma ação parecida com o que os Estados Unidos fizeram há poucos meses no Paquistão, para matar Osama Bin Laden. Em 31 de Janeiro de 1981, uma força especial do exército da África do Sul, então governado pelos racistas do Partido Nacionalista, invadiu o território moçambicano e atacou três casas na cidade da Matola, onde viviam os exilados. Eram todos combatentes do CNA, que lutavam pelo fim do apartheid e eram considerados terroristas pelo regime racista. Não foi a única ação do tipo. Ataques aéreos também aconteceram. Por isso, a segurança nas casas dos exilados do CNA era reforçadíssima. Mas nem sempre os vizinhos sabiam. Um amigo, Orlando, quase morreu ao roubar frutas do vizinho – que vinha a ser Oliver Tambo, presidente do CNA no exílio, uma das maiores referências da vida de Nelson Mandela (a outra era Walter Sisulu) e, hoje, nome do aeroporto de Joanesburgo. Na época um garoto de menos de dez anos, ele subiu na árvore no fundo de casa para roubar algumas frutas. Um dos galhos fez um estalo alto, e, em segundos, quatro ou cinco seguranças armados até os dentes (como diria o Homem Chavão) surgiram no jardim, prontos para atirar. O susto foi imenso. Rindo (hoje, claro), Orlando faz troça, dizendo que, naquela idade, “jamais tinha imaginado que alguém pudesse ficar tão bravo por causa de umas frutinhas…” Na mesa do almoço, ao lado de Orlando, Luis lembrou da vez que, na República Democrática do Congo (onde mora até hoje), ele quase foi soterrado pelos seguranças do presidente Joseph Kabila. Kabila herdou o poder depois que o pai foi assassinado, em 2001 – e foi eleito em 2006. Luis trabalha com construção civil e foi chamado para ver um jogo de futebol na tribuna de honra de um estádio em Lubumbashi, no norte do país, do qual ele trabalhou na reforma. Bola rolando, sai um gol do time da casa. A torcida grita e ouve-se um barulho – fogos, talvez – ali perto. Os seguranças não tiveram dúvida: pularam todos em cima de Kabila, para protegê-lo. Quem estava no meio, foi pro chão também. “E você não tirou foto?”, perguntou o Orlando, rindo. “Eu não!”, disse o Luis. “Vai que os seguranças não gostassem do barulho…” PS: caso você seja daqui ou venha e queira conhecer o novo memorial da “raid da Matola” (que deve ficar pronto no fim do ano), aproveite para almoçar no Coisa Nossa, ali na mesma praça, na Matola mesmo. Diga ao Jorge, o proprietário, que é meu amigo. E vai ter de pagar a conta do mesmo jeito. Eduardo Castro Alguns amigos, conhecedores de nossos hábitos ciganos (casados há 12 anos, já moramos em cinco cidades, sete casas diferentes) nos perguntam às vezes: “quando saírem de Maputo, para onde vão?” Não sei ainda. Mas sei que quero morar em uma cidade que não seja um grande banheiro público, onde cada árvore e cada poste não seja visto como um mictório. Está aí uma coisa realmente desagradável. Na verdade, divide-se em duas situações desnecessárias: o cruzar com pessoas a urinar em toda parte e o cheiro que fica quando essas pessoas se vão.
O assunto pode parecer banal quando se vive em um lugar no qual o xixi na rua é assunto só no carnaval. Mas isso 365 dias por ano é nauseabundo, para dizer o mínimo. E é tão sério aqui que já ganhou espaço (e muito) no blog do conceituado sociólogo Carlos Serra e até tem sido alvo de políticas públicas. Em 2007, Carlos Serra perguntava: Por que urinamos e defecamos ao ar livre? E ele mesmo sugeriu cinco hipóteses, para abrir a discussão: (1) Porque as pessoas não têm hábitos de higiene; (2) Porque não existem sanitários disponíveis; (3) Porque as pessoas possuem ainda hábitos rurais; (4) Porque não existe o sentido do pudor; (5) Porque se considera que o mar e os rios são sanitários naturais e ideais. O sociólogo observa que “urinar nas ruas, nos muros e nas árvores da cidade de Maputo é uma prática tradicionalizada. Não existe qualquer sentido de contravenção penal”. No post Imbróglio: como se evitar a xixização urbana?, ade 2008, Carlos Serra observa, logo de cara que a pergunta é terrível, mas que vinha sendo sugerida pelos leitores, que pediam ao blog uma campanha anti-xixi. Outra blogueira, a Luisa Black, autora do blog Devagar…, conta sua experiência pelas ruas da cidade e sua visão da situação esdrúxula que vivemos: “Quem, como eu, anda pelas ruas e quem, como eu, gosta de apreciar a diversidade que vibra por todo o lado, vai certamente surpreender-se com a população a fazer descontraidamente xixi na rua… Então, quando não chove, cheira mal. Não há casas de banho públicas na cidade. Há quem venha diariamente de longe… sem ter o hábito de ir ao café, luxo de poucos… Fazer o quê?”. E o assunto parece ser recorrente, porque, assim como vimos posts do Carlos Serra de 2007 sobre o assunto e agora aqui estamos a tratar de novo do mesmo, as notícias sobre tentativas do governo de resolver isso também se repetem. O jornal Notícias, de janeiro de 2007, traz matéria onde o governador de Nampula, Felismino Tocoli, defende a “aplicação de medidas administrativas como forma de eliminar o fenômeno do fecalismo a céu aberto no município da Ilha de Moçambique, considerado uma das causas que, no ano anterior, contribuiu para a redução significativa do número de turistas naquela região, além do surgimento de doenças, sobretudo a cólera“. De acordo com o texto do jornal, o governador pressupõe que as pessoas sabem do perigo que o fecalismo a céu aberto constitui para a saúde pública. Informações da matéria dão conta que em 2006 a Ilha de Moçambique teve mais de 600 pessoas afetadas por cólera, cinco delas tendo morrido. Recentemente, em notícia de 25 de julho deste ano, o blog Moçambique para Todos traz mais uma vez o assunto, mais uma vez tendo como exemplo a Ilha de Moçambique. A administração do lugar resolveu aplicar uma nova estratégia para combater o que o jornal chama de fenômeno: construir barracas de vendas de produtos alimentares ao longo da costa. Apesar da apreensão que me causou ver a informação, o que se seguiu foi alentador: parece que a medida (arriscada, convenhamos) surtiu efeitos positivos. A iluminação das barracas e o movimento de pessoas que estas promovem têm sido elementos desencorajadores para a prática de fazer cocô e xixi na praia. Observemos, no entanto, que o administrador da Ilha de Moçambique, António Saúl, contou ainda que, paralelamente, têm sido realizadas atividades desportivas nas praias, bem como campanhas de limpeza e de sensibilização sobre a necessidade do uso de latrinas ou sanitários públicos, que foram construídos em certas zonas do município. Ou seja, talvez apenas a punição não seja o caminho. Talvez em 2007 as pessoas não soubessem tanto dos perigos da nauseabunda ação como pensava o governador Felismino Tocoli. Vamos acompanhar se a solução acontece de fato na Ilha de Moçambique e, caso o resultado seja positivo, torcer para que seja replicada em outras zonas do país. Sandra Flosi Faz mais de um ano eu contei aqui que em Moçambique, a fruta caqui é chamada diospiro. Pois hoje eu descobri mais uma sobre a mesma fruta. A árvore do caqui/diospiro é da mesma família do ébano. Pode ser óbvio para alguns leitores, mas para mim é pura novidade.
Eu descobri porque queria falar do artesanato de Moçambique. O mais conhecido é o feito em pau preto, que é justamente o ébano… Essa madeira, especialmente, no miolo dos troncos, é muito escura e densa. Por isso, é um artesanato difícil de ser feito. Como me explicou um artesão outro dia “aleija muito as mãos no trabalho”. Há em Maputo, inclusive, a Feira do Pau. É uma feira de artesanato em geral, mas com forte presença do artesanato em pau preto, que acontece todos os sábados, entre 10h e 16h, na avenida Samora Machel, ao lado da praça 25 de junho. Para além do artesanato em pau preto, há muitos produtos em sândalo, tecido, conchas, barro, pedra sabão, folha de bananeira, enfim, uma diversidade imensa de materiais. O único senão da feirinha é a falta de estratégia de venda dos expositores. Na ânsia de vender, eles voam para cima das pessoas que estão apreciando a arte feito mosca em rosca de padaria. E ficam falando “venha ver minhas peças… é só para apreciar, não precisa comprar”. Mas vinte pessoas fazendo isso ao mesmo tempo, não permitem nem mesmo que se aprecie. O potencial cliente fica aborrecido e vai embora sem levar nada. Eu mesma já quis muito apreciar com calma o trabalho, mas nunca consigo e acabo saindo de mãos vazias. De uns tempos para cá, há uma alternativa bem interessante, que é a FEIMA (Feira permanente de artesanato, gastronomia e flores na cidade de Maputo), fica no Jardim Parque dos Continuadores, que está entre as avenidas dos Mártires da Machava e Armando Tivane. Lá funciona todos os dias, das 10h às 18h, com algumas barracas ficando até 19h. Tem os mesmos tipos de artesanato, com mais opções de roupas e batiques que na Feira do Pau. A vantagem é que na FEIMA cada expositor tem seu espaço (enquanto na Feira do Pau, há expositores que ficam perambulando, sem lugar fixo). Então, você passa por ele e ele não vai atrás de você. Mesmo assim, é meio chato, porque você está a apreciar uma barraca e o camarada da barraca do lado fica chamando. É um pouco inconveniente, mas da última vez que eu fui lá resolvi botar ordem na casa. Eu queria ver todos os trabalhos e com calma. Então, quando cheguei já fui logo avisando: “vou ver tudo, de todo mundo e comprar o que eu quiser e não o que for de quem me perturbar mais. E se um vier pedir para ver as suas peças enquanto eu estiver vendo o trabalho do outro, vou embora e não compro nada”. A informação correu de barraca em barraca e consegui, durante uma hora e meia, ser bem pouco importunada e apreciar muita coisa linda. Outra vantagem da FEIMA é as barracas terem cobertura, o que ajuda muito na época do verão. Na Feira do Pau, a exposição é a céu aberto. Mas as duas têm aquela coisa chata de você ter que pechinchar para conseguir um preço razoável. Sempre se consegue diminuir uns 40% no valor inicial. Se for dia de movimento fraco, então, se diminui até mais. Um terceiro lugar muito bom de fazer esse tipo de compra é o Centro Juvenil de Artesanato – Mozarte. É um centro mantido pelo Ministério da Juventude e Desportos, que fica na avenida Filipe Samuel Magaia, entre as avenidas Ho Chi Min e Josina Machel. Lá você não tem contato com os artesãos, o que é uma desvantagem. Mas a vantagem é saber que são adolescentes em situação de vulnerabilidade social, que aprendem o artesanato no próprio centro Mozarte e têm lá o espaço onde suas obras são comercializadas. Os preços são bastante justos, o que já torna desnecessário entrar na negociação de pechincha. Lá funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h30, e aos sábados das 9h às 13h. Esses são os lugares que eu gosto de freqüentar por aqui quando o assunto é artesanato. Mas, mesmo quando não vamos a eles, caminhando pelas avenidas 24 de julho ou 25 de setembro, sempre é possível cruzar com um vendedor ambulante com boas peças nas mãos. Veja outras impressões sobre o artesanato moçambicano no post A economia do artesanato, de Fernando Aidos, publicado no blog Perspectiva Lusófona. Saiba mais sobre o artesanato em Moçambique, visitando o site do Cedarte (Centro de Estudos e Desenvolvimento do Artesanato). Sandra Flosi |