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Maputo
Os últimos dois dias foram férteis em declarações e actuações jocosas de alguns actores políticos cá do burgo.
E os actores não podiam ser anónimos: nada mais e nada menos que Paulo Zucula - Ministro dos Transportes e Comunicações - e Afonso Dhlakama - auto-proclamado Obama de Moçambique. Dhlakama disse, entre outros, que tem homens e armamento capazes de pôr a FRELIMO em sentido. De Dhlakama não se espera outra coisa - já dizia um professor meu de Língua Portuguesa, no longínquo ano de 1997 que palavras dessa estirpe e vindas de Dhkalama não são notícias. Seria notícia se Dhlakama viesse dizer que a FRELIMO é um mimo e que Guebuza ou Chissanos são os melhores líderes que um país podia ter. Infelizmente certa imprensa continua a patrocinar a queda vertiginosa do Obama de Moçambique, que de bacorada em bacorada vem confirmando que o homem só serve para nos entreter numa época em que o dinheiro falta a quase todos nós - até poupa-nos de ir ao Gungu. E Mazanga - em claro alinhamento com o Chefe não podia ser pior: "para além dos homens que temos em Maríngué, estamos a acolher os que vãos endo expurgados das FADM." Fala sério! Diriam os baianos. Mas que vem somando trunfos na luta pelo pódio nas actuações jocosas é o não menos famosos Ministro Paulo Zucula. Para quem prometera resolver o problema que esteve na origem de uma pretensa greve nos TPM não fica bem aparecer depois a dizer que os trabalhadores estão equivocados. Oh sô Ministros, com a devida vénia, permita-me dizer que V.Excia é que está equivocado. O facto de ser o Estado que financia o funcionamento da TPM não pode significar que os trabalhadores sejam funcionários do Estado. E como é bom de ver, mesmo que o pagamento dos 17% não tivesse resultado de um acordo com a anterior administração da empresa, valeria a pena recordar-se que os seus colegas - Ministros - mandaram publicar diplomas legais que fixavam os novos salários mínimos para as diversas áreas de actividade. Foi nessa base que os trabalhadores reclamam - e muito bem - o pagamento desse valor. Se o seu argumento é o facto de a empresa não estar em condições financeiras para proceder ao aumento questiono hoje a razão de ter evitado o aumento da tarifa do transporte pelos TPM - não ignoro os efeitos catastróficos dessa medida. Sô Ministro, antes de chamar equivocados os trabalhadores ajude os seus pares a preverem as consequências das decisões tomadas para ver se o Estado estaria em condições de materializar tais decisões. Não acha, camarada Ministro? Enfim, o Egº Zucula está a provar que o camarada Sérgio Vieira estava certo quando disse o que disse na última edição do jornal "domingo". Aguardo pelas próximas gaffes dos nossos políticos. Alexandre Chivale
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Nos dias 7 a 9 de junho de 2011 aconteceu em Angola um encontro dos partidos que lutaram pela independência nos cinco países africanos de língua portuguesa. Reuniram-se representantes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe – Partido Social-Democrata (MLSTP/PSD).
O encontro marcou os 50 anos da criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP), criada em Marrocos para troca de experiências entre as lideranças dos partidos que conduziam a luta pela independência nos países africanos de expressão portuguesa. Ao final do encontro foi definido como novo alvo de combate desses países o subdesenvolvimento nos seus Estados. Mas o que me chamou mesmo atenção nesse encontro foi perceber que dos cinco partidos presentes, quatro estão no poder. Apenas o MLSTP/PSD é oposição, em São Tomé e Príncipe. As independências se deram há mais de 30 anos. Nesse tempo, houve eleições nos países, reconduções dos governantes ao cargo, troca de governantes. No entanto, essa troca foi quase sempre dentro dos mesmos partidos. Não soa estranho? E isso se repete em vários países da África, não só nos que tiveram colonização portuguesa. A única exceção desses citados está em Cabo Verde, onde o partido da oposição ganhou eleições, assumiu sem precisar colocar a faca no pescoço de ninguém e depois o PAICV ganhou eleições e voltou ao poder pela força do voto. É verdade que só posso falar pelo que vejo em Moçambique e, mesmo assim, é visão de rés do chão, de quem não está no meio político para saber de fato o que se passa. Só sei o que vejo nas ruas. E, para ser sincera, o que vejo por aqui é uma oposição muito fraca. Fraca no sentido de não serem hábeis politicamente. Entretanto, se olharmos para quem está no poder… seriam estes mais capazes que os outros? Não consigo ter convicção de que se fosse a oposição (representada aqui com mais presença pela Renamo – Resistência Nacional Moçambicana) no poder as coisas estariam piores ou melhores. Mas o que sei é que por aqui sempre ficam muitas dúvidas sobre os resultados das eleições. Claro que oposição sempre grita, diz que não perdeu, mas não é só isso. Pessoas que conhecem um pouco mais a fundo os meandros políticos moçambicanos explicam que houve muita confusão, muito voto anulado que não precisava e outros tantos contabilizados sem condições de o serem. Dizem que talvez a Frelimo não tivesse perdido as eleições passadas, por exemplo, mas o resultado seria muito mais apertado. Isso significaria um ganho de terreno para a oposição que a Frelimo não quer que seja demonstrado. Houve quem já me explicasse também que os organismos internacionais aqui presentes não têm interesse em ver outro partido assumir porque, bem ou mal, a Frelimo tem seguido suas cartilhas e contribuído de alguma forma para o desenvolvimento do país (ainda que a passos de cágado). Outro no lugar seria um enigma e talvez desse um trabalho que não querem ter. Então, esses organismos podem acabar por fazer vistas grossas para muitas situações questionáveis nas eleições moçambicanas. O que eu vejo é que, apesar de termos eleições em todos esses países, com partidos de oposição efetivamente concorrendo e observadores internacionais a acompanhar, só vamos poder dizer que são realmente democracias consolidadas quando viverem alternância de poder sem derramamento de sangue. Ou seja, quando ocorrer com mais freqüência na África o que se deu em Cabo Verde: um partido da oposição vence porque faz melhor campanha e conquista mais votos, então assume o governo porque o partido derrotado entende que assim deve ser quando se perde a eleição. Enquanto isso não acontece, temo que os demais países sigam outros exemplos e ainda se viva por aqui situações semelhantes a que vimos recentemente em Costa do Marfim, quando o presidente no poder simplesmente se recusou a admitir a derrota na eleição. Percebo que os povos africanos ainda não têm uma percepção profunda do que é ser independente e viver em democracia e acabam por aceitar uma nova situação de dependência, agora daqueles que lutaram pela liberdade do país. Ou seja, os líderes que estão nos governos hoje, muitas vezes, foram os que lutaram pela independência, lá nos anos 60 e 70 do século passado. A visão que passam é de que o povo continuaria colonizado e subjugado se não fosse sua dedicação e sua luta. Mas, o que eles não entendem é que, quando se luta pela liberdade, o prêmio é nada além da liberdade. Ficar no poder para sempre para usufruir de direitos e benécies muitas vezes questionáveis diminuem a grandeza da luta do passado. Leia mais detalhes sobre o encontro dos partidos que lutaram pela independência nos países de língua portuguesa na África na agência Angola Press e no blog Cidadania da CPLP. Leia sobre a situação política pós eleição em 2010 na Costa do Marfim, no site SIC Notícias. Sandra Flosi A minha última "Revista de Imprensa" matino-dominical foi, como as outras, sem sobressaltos. Se não fosse a interessante leitura ao já badalado "Carta a Muitos Amigos" do Coronel Sérgio Vieira, de certeza que seria como as outras.
E quem fala não é gago. E dessa leitura ressalta algo que parece começar a deixar de ser enigma: GUEBUZA É CARTA FORA DO BARALHO NA FRELIMO! Entre outros, Sérgio Vieira deixa claro que é dado assente que teremos sucessão, caindo por terra eventuais rumores de uma tentativa de Guebuza alterar a Constituição para prolongar o seu consulado. E sobre o sucessor, diz Sérgio Vieira: 1. "Devemos buscar critérios que assegurem uma governação eficiente e ao serviço do povo, a definição de políticas e estratégias! Pôr termos aos zig zag e ao dito por não dito, aos prazos que só servem para não se cumprirem." 2. "O próximo candidato deve ter mãos limpas e sem negociatas por baixo da mesa e, não sacrifique, nem deixe sacrificar o interesse nacional à favor dos seus negócios ou de familiares e apaniguados." 3. "O dirigente que só deseja louvores, rejeita a crítica, se mostra incapaz de dialogar e aceitar que existe quem saiba mais do que ele, até politicamente, arrisca-se a grandes desaires". Belas e sábias palavras. Quererá com isso, Sérgio Vieira, assinar um atestado de incompetência a Guebuza e seus pares no Governo? É que de zig zags e prazos cosméticos o actual Governo é recordista absoluto. O espólio empresarial de Guebuza é vasto e a sua incapacidade para conviver com críticas é por demais evidente. (Que o digam os Apóstolos da Desgraça e hoje Tagarelas). A meu ver Sérgio Vieira está a mandar um recado forte ao actual timoneiro do país. Por outras palavras, está a dizer que Guebuza falhou em muitas áreas. Que o digam os patronos da Cesta Básica, das Inspecções, da Revolução Verde, da Jatropha e demais iniciativas jocosas... O que virá a seguir? A ver vamos! Alexandre Chivale Acordam cedo, ainda antes do Sol nascer, na periferia empoeirada da Capital com o esgoto a céu aberto, são crianças que perderam a inocência com a dureza da vida. Não tomam pequeno-almoço, porque não há. Não estudam, não é uma prioridade, o importante é chegar ao centro da cidade com a caixa de engraxar sapatos, para ganhar algum dinheiro. O suficiente para pagar uma escassa refeição e a viagem de ida e volta.
As manhãs são uma agitação, correm atrás dos expatriados, colocam-se estrategicamente, as portas dos Bancos e/ou dos Edifícios das Grandes Multinacionais. É vê-los à caça do bom cliente, normalmente, um expatriado, e obviamente, uma boa propina. Quem são eles? Companheiros, contam-me são órfãos de Guerra ou filhos de famílias numerosas, perdidos na vida e sem qualquer destino. Não sei se serão conscientes da sua condição, mas impressiona a dedicação com que se entregam ao seu trabalho. Entregam-se por completo aquele trabalho, não questionam a pouca remuneração, a concorrência é muita, o importante é ter o suficiente quando chega a noite, para regressar à casa e retornar no dia seguinte, é um logro. Os dias e as noites daquelas crianças repetem-se assim. Quando a noite chega ao centro da Capital, as crianças já partiram, entre o crepúsculo paira a decadência espelhada no céu e reflectida nos Edifícios. Paisagem estranha e confusa, são milhares os tons dos cheiros que se misturam, indecifráveis, a rua está vazia e sem rebuliço, apenas, ar e calor. Penso nas vidas daquelas crianças que se entregam por completo a um trabalho que lhes oferece um misero soldo. Mas acima de tudo na dignidade com que exercem o seu trabalho e nos miseráveis incapazes de reconhecer a dignidade. A noite transforma-se, saem outros fantasmas, também crianças, abordam os condutores nas gasolineiras, nas entradas dos restaurantes ou dos bares. Os incautos desconhecem que existe um código entre eles, a propina não pode ser entregue a qualquer um, antes de abrir a janela da viatura, é necessário seleccionar um entre a multidão de pequenos fantasmas, apenas, a esse é entregue a propina, ele depois reparte pelos demais. Em qualquer lugar do mundo existe algo que é comum e nunca muda, a vida da noite é diferente da vida do dia. É um mar de crianças fantasmas, sem país, a viver ao sabor do nada, motivadas pelo desencanto procuram sobreviver para esquecer a má fortuna e a miséria, tudo os une. Vivem do nada, vão para o nada. É algo que não se consegue compreender, não é passível reproduzir em nós mesmos, os seus sentimentos, apenas, podemos observar aquelas vidas, de forma, imperturbável. Miguel Amaral É difícil escrever sobre uma realidade que não se conhece bem, acontece comigo quando escrevo sobre Moçambique, apesar de seguir o país, falta-me a experiência de lá ter vivido, então, a tendência é escrever por analogia com uma realidade que se conhece bem, no meu caso, Angola. No entanto, apesar, das similitudes são realidades distintas.
Sim, realidades distintas, uma realidade atlântica e uma realidade indica, porém, existem pontos em comum, ás duas realidades, a questão polémica da ajuda internacional. Muito criticada por uns, porque se tratam de investimentos pouco eficientes e pouco controlados, que apenas, fomentam a corrupção local e acabam por desviar mão-de-obra qualificada para actividades de baixo valor, como por exemplo, tradutores ou motoristas. Argumentam, que no fundo não existe um interesse genuíno em eliminar a pobreza porque se tal acontecer milhares de ONG's ficam sem trabalho. Existem vozes no cenário africano muito críticas e que advogam o fim das ajudas internacionais. Penso, ser uma posição demasiado radical, por exemplo, se as ajudas fossem repentinamente suprimidas em Moçambique, qual seria o impacto real? Que efeito teria nas populações mais carenciadas à ausência da ajuda internacional, nomeadamente, na alimentação? Não quero advogar as ONG's porque reconheço que muitas são um negócio para manter um conjunto de pessoas bem pagas. No entanto, existem excepções, existem ONG's que realizam um trabalho muito meritório no terreno. A verdadeira questão porque as ajudas não são mais eficientes ou produzem um maior retorno económico, deve-se ao facto, de elas investirem nos sectores mais carenciados e mais fragilizados da população e onde o ânimo não é propriamente a busca do lucro maciço, mas transformar as populações no sentido de adquirirem ferramentas ou competências que lhes permitam melhorar as suas vidas, quebrando o ciclo vicioso da pobreza. É um facto, que as ajudas podem generar dependência e evitar a emancipação do cidadão, neste aspecto, a responsabilidade deve ser sempre mútua, doador e receptor. E que a ajuda se destina ao fim para o qual foi concebida. É importante, a ajuda, com responsabilidade, consciência e controlo. A ajuda além de ser uma fonte de solidariedade humana deve ser uma fonte de progresso. Por isso, quem doa deve responsabilizar os países receptores da ajuda pelos resultados do programa. Miguel Amaral Certa vez eu cheguei em uma comunidade muito carente no interior do nordeste do Brasil, em um carro alugado, com uma câmera fotográfica na mão. Os meninos da cidade me rodearam, perguntando se eu ia fazer foto para jornal. Aquilo me intrigou e eu quis entender melhor.
Eles me explicaram que toda hora ia fotógrafo lá fazer foto para jornal. Alguns até já tinham se visto em jornais. A inocência daquelas crianças não deixava que elas percebessem que não eram elas as fotografadas, mas sua pobreza. Eu me lembrei de que, em minhas pesquisas antes de me dirigir para o local, tinha visto várias matérias sobre a seca, a falta de renda, as dificuldades todas daquela cidade pobre. Em todas as matérias, fotos. Muitas com crianças. De costas, de olhos com tarja, com o rosto desfocado, mas eram aquelas crianças. Afinal, as pessoas se sensibilizam com elas. Naquele dia eu percebi que, muitas vezes, o objetivo ao divulgar essas situações não passa do objetivo comercial de venda. E o desejo implícito dos donos dos veículos de comunicação seria que aquela pobreza não acabasse. Afinal, se acaba, acaba uma fonte de venda. Quando cheguei em Moçambique, estudei algumas instituições que fazem trabalho social aqui, na busca por um lugar para pedir emprego. Percebi que muitas delas não trabalham para mudar o estado vigente. Apenas atuam para manter seus funcionários bem acomodados e remunerados e garantir que todos os pobres da África não morram, porque se morrerem, acaba a fonte de vida dessas instituições. O mais cruel foi perceber que, se essas pessoas filhas da pobreza passarem a viver bem, sem necessitar de ajuda externa, acaba a razão de ser das instituições da mesma forma. E onde vão se empregar os consultores bem remunerados? Então, encontrei aqui muita descrença, muita gente desiludida com os estrangeiros. Foi triste eu perceber que poderia ser confundida com essas pessoas. E sempre que possível fiz entender que eu não estava aqui para isso. No entanto, eu sei que ainda há quem pense que eu vim apenas em busca de oportunidade. É verdade que vim. Mas de oportunidade de contribuir seriamente, de ajudar a fundo, de tentar encontrar o caminho da mudança. No entanto, não é dessa oportunidade que se fala quando o assunto é estrangeiro em Moçambique… Eu tenho visto sim gente a fazer trabalho sério. Mas, infelizmente, os moçambicanos estão tão acostumados com os estrangeiros-eternos-colonizadores-exploradores que, quando se deparam com gente desinteressada, que não quer oportunidade de se dar bem, mas apenas de fazer o bem, não acreditam que isso seja possível. O olhar é sempre o mesmo que me foi lançado por aqueles meninos do interior do nordeste brasileiro: de desconfiança. Sandra Flosi _Mais uma relatada pelos amigos.
Avenida Samora Machel, meio dia. O motorista faz uma conversão à direita sem notar que a placa proibia. Logo à frente, o guarda faz sinal e manda parar. “Boa tarde. O sr. não sabe que é proibido fazer a conversão ali?” “Não, oficial, não sabia nem notei. Mas se fiz errado, é melhor o sr. me punir mesmo.” Os olhos dele quase saltaram pra fora da órbita. “O sr. quer que passe a multa?” “É. Se fiz errado, que o sr. me puna com o rigor da lei.” “Um instante só”. Ele sai da janela do motorista, volta pra calçada e confabula com o outro guarda. E volta logo depois: “A viatura está longe. Precisamos dela para lavrar a infração”, diz, com um quase-sorriso-amigo. “Eu espero, oficial. Afinal, o sr. tem que fazer o seu trabalho, não? Ou prefere que sigamos para a esquadra (a delegacia)?” “Não será preciso”. E volta pra calçada. Mais um minuto, ele tenta de novo: “Quente hoje, não? Bom para um refresco…” (nota do editor – acrescentada depois da publicação: “refresco”, aqui, além de refrigerante, é um dinheirinho. Em Angola é “gasosa”.) “Sabe…” interrompe o motorista. “Tenho pena é do nosso Samora ali do outro lado da rua (a estátua do Marechal Samora Machel, líder revolucionário, primeiro presidente do país). Depois de lutar a vida toda, sempre digno, continua ali, no sol. E sem refresco, né? Passam mais dez segundos. “Olha, a viatura está a demorar. Penso que o sr. pode ir, mas preste atenção da próxima vez.” “Obrigado, oficial. Boa tarde”. Nada como paciência, calor. E o olhar de Samora. Eduardo Castro _Na segunda metade do século passado, Moçambique viveu onze anos de guerra pela independência e dezesseis anos de guerra civil. Guerras que nunca chegaram à capital do país, Maputo. Com isso, quero dizer que Maputo nunca foi campo de batalha, mas claro que episódios como esses sempre respingam e seria impossível a capital ficar imune.
Mas, às vezes, olhando à volta, me parece que foi mais que isso. A impressão que dá é de que houve bombardeios aqui mesmo, na rua ao lado, na casa ao lado. casa com jornal na janela quebrada casa com janela quebrada. É raro ver um relógio de rua que funcione. A maioria das salas de cinema já não exibe mais. Há uma sala, aliás, que nunca exibiu. São comuns as ruínas que já foram bonitas casas um dia, mas onde ainda moram famílias hoje. Em toda rua há uma janela quebrada de casa ou apartamento substituída por jornais ou plásticos ou nada… E vive-se aqui. Sandra Flosi _Para quem viaja nos voos operados pela LAM – Linhas Aéreas de Moçambique, MEX ou em parceria com outras companhias aéreas e nos seja distribuída a REVISTA ÍNDICO, é também uma lufada direi, perdoem-me a expressão, blandiciosa que nos invade.
O seu conteúdo, vai-nos habituando a uma qualidade de excelência, caminhando em paralelo com quaisquer das suas congéneres mundiais. É a qualidade dos autores, seja do texto, da fotografia ou do arranjo gráfico, passando pela diversidade temática, sem por de parte o acervo histórico de Moçambique, e ainda a sua natureza, beleza, humana ou paisagística. É marcante o apelo que esta REVISTA ÍNDICO, faz de Moçambique no seu todo, sem esquecer detalhe a detalhe onde a cultura emerge e pontifica. “LEVE ESTA REVISTA CONSIGO. É SUA”, a simpatia e a transparência desta mensagem que figura na sua capa, a exemplar de Janeiro/Fevereiro de 2012 brinda – nos com um sorriso de uma criança, na sua posse uns apetitosos frutos, cuja fotografia, não necessita de texto, expressiva por si só. Falando da ÍNDICO, REVISTA ÍNDICO ou REVISTA DE BORDO DA LAM, todos percebemos que é da mesma que se trata, companheira de muitas viagens, no calcorrear dos voos domésticos pelas rotas deste imenso País, voos internacionais ou sob a tutela dos acordos comerciais. A ÍNDICO não se fica por aqui, também ela aparece nas representações diplomáticas de Moçambique no exterior ou em locais onde a diáspora moçambicana se encontra. São 20.000 exemplares que chegarão a boas mãos com certeza, levando-nos também notícias sobre a vida da companhia LAM, do seu rigor e preparação técnica da sua tripulação, do pessoal de cabine, do pessoal de terra e da retaguarda da manutenção, dos armazéns de carga e dos escritórios, atestado por organizações internacionais como IOSA e ISSO 9001:2008. Parabéns à LAM, parabéns ao seu editor, os colaboradores de todos os trabalhos e como assíduo leitor que tenho sido, repetente por muitas vezes do mesmo texto e fotos, é contagiante a mensagem que nos transmitem e nos deixam no espírito, quando lá pelo alto andamos. Aqui no alto, onde a inspiração também nos chega. O SEU A SEU DONO, BEM HAJAM! Augusto Macedo Pinto _A cultura moçambicana dá muito peso ao momento da morte – como, também, várias outras culturas africanas.
Quem perde o pai ou a mãe fica vários dias sem trabalhar. Por causa da tristeza e, também, das cerimônias fúnebres, que reúnem a família, a vizinhança, os amigos. Por isso tudo, foi de certa forma surpreendente, aqui, a despedida da Mariana. Ela morreu ontem, em casa. Portuguesa, vivia em Moçambique há muito tempo. Era dona do restaurante que batizou um sanduíche com o nome do meu sobrinho. Mariana estava com câncer, mas nós não sabíamos. Falante, sempre alegre, nunca deu nenhum sinal. Quando chegou a notícia, no fim da tarde de ontem, foi uma surpresa. O marido, Jorge, despediu-se como Mariana pediu: de forma rápida, simples, discreta. Não avisou ninguém – só soube quem, de um jeito ou de outro, o ajudou desde quando ela faleceu, menos de 15 horas antes. Quando chegamos no cemitério do Lhanguene, o crematório – “Crematório Hindu”, dizia a marca na porta – estava vazio. Logo depois veio o carro da funerária, trazendo o motorista, o Jorge, e um caixão simples, de madeira prensada, pintado de cinza azulado. Três rapazes tiraram o caixão do carro e o colocaram em um carrinho de ferro, já em frente ao forno. O forno é uma construção grande, que lembra a imagem que temos de uma caixa-forte de banco, com portas pesadas que se encontram no meio. Não havia flores, cadeiras, nada. Jorge olhava, sozinho, no canto, com os olhos molhados. Algumas pessoas conhecidas chegavam, e cumprimentavam o Jorge sem dizer muita coisa. Nisso, os rapazes do cemitério começaram a colocar toras de madeira sob o caixão. Alguns pedaços de tronco também foram dispostos por cima. Ao lado, no jardim, uma fogueira já ardia. Um dos rapazes foi lá e, com uma pá comprida, pegou um pouco das brasas incandescentes. “Um familiar, por favor”, disse o homem, entregando a pá ao Jorge. Foram as únicas palavras da cerimônia. Jorge pegou a pá e colocou sob o caixão, como indicado pelo funcionário. Logo, outra pá de brasas foi depositada no outro lado do caixão, e uma fumaça esbranquiçada começou a subir. Em três, quatro minutos, o caixão começou a arder. Então, os funcionários empurraram o carrinho para dentro do forno. Enquanto a porta fechava, as labaredas envolviam o caixão em uma luz alaranjada. Não houve prece, reza, discursos, despedidas. Só o silêncio. Em dez minutos, em meio à dez pessoas se tanto, saí do crematório lembrando das gargalhadas na Mariana, do sanduíche da Mariana, do pouco que convivi com ela. Da morte, nada. O que ficou, foi da vida. Eduardo Castro |