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Maputo
Nas nossas viagens fazemos todos os possíveis por trazer connosco alguma coisa que nos fale do país que visitámos. Algum objecto, já que não podemos trazer connosco os sabores, os cheiros e aqueles sorrisos doces com que somos tantas vezes recebidos, embora algumas fotos consigam fazer alguma justiça a essas fisionomias deliciosas.
Mas como ia dizendo, um objecto que tenha alguma utilidade prática ou decorativa e assim ocupe um lugar digno na nossa casa. Na nossa última visita a Moçambique trouxemos umas capulanas que vão servir de fronhas para uns almofadões que alegram a nossa sala de estar. Trouxemos também uns aneis de madeira para servirem de anilhas para o lenço de escuteira da nossa neta e que ela usou prontamente para mostrar às amigas uma coisa que elas não tinham... garotos, né? Tivemos sorte de encontrar, mas depois de muita busca infrutífera, inclusive na Feira do Artesanato em Maputo, mais umas coisas, dando assim um pouco de negócio a gente que, aos nossos olhos, tinha muito talento artístico, embora o seu trabalho parecesse muito restrito a modelos feitos por todos ou copiados por todos os outros vendedores. Mas predominando no meio de todo aquele artesanato, vimos óculos escuros, pulseiras de isolante de fio de telefone em PVC, e roupa de poliéster com desenhos e etiquetas duvidosas. Vimos pela rua muitos vendedores tentando impingir óculos Ray Ban ou Dolce Gabbana, genuinamente fabricados na China, e vendidos por mercadores do Senegal e outros países, assim os identificaram os locais. O sentimento que nos aflorou no peito foi – tanto talento desperdiçado. Quem é que vai querer comprar esta mercadoria que pode ser comprada na loja do Chinês lá na nossa terra? Porque não vemos objectos de utilidade prática ou decorativa mas mais inovadores ou com sabor local mas explorando formas e cores e espaços artísticos mais atraentes? Não sei como melhor expressar este espaço artístico que a meu ver é muito mais atractivo e não está a ser explorado. Vimos o mesmo em Cabo Verde. Cabo Verde tem pouco artesanato. Este limita-se a bonecas de trapo, alguma cerâmica e panos de terra. Mas nas lojas não se encontram estes artefactos, embora haja à venda montes de óculos de sol Ray Ban e Dolce Gabbana, também originários da China. No hotel onde ficámos havia umas bonecas parecidas com as de trapo mas feitas em São Salvador da Baía. Não tenho nada contra elas, além do preço que era astronómico e o facto de nada terem a ver com Cabo Verde. Este cenário pode ser aplicado a muitos mais países por onde temos passado. E perante estes cenários eu questiono - quantos destes cacarecos pode aquela gente vender? Como podem fazer uma vida digna neste tipo de negócio? Ou será que à noite têm outras fontes de receitas menos legítimas? Se calhar... uma actividade pode tornar a outra imperativa. Aquela gente tem arte. Aquela gente tem talento. Mas falta-lhe criatividade que os permita explorar horizontes para além da capulana local ou humildes imitações do Malangatana. E faltam-lhe os horizontes. Esses horizontes não podem existir num dia-a-dia cheio de viagens de chapa da periferia até à marginal, montagem da barraca, desesperantes esperas por um turista, desmontagem da barraca, e de novo outro percurso longo de chapa até à periferia onde têm de descansar, alimentar-se e seleccionar o produto a ser vendido no dia seguinte. A arte to artesanato tem sido alvo de muitas explorações artísticas com resultados muito atraentes, não só para o turista, como até para uma classe de consumidor mais exigente. Mas essas explorações só podem acontecer se houver um ambiente de criatividade que sirva para abrir os horizontes mais espaçosos. Esse ambiente de criatividade pode ser criado de muitas formas. Mas escolas e workshops são as duas ferramentas que vêm à mente de imediato. Há muito talento em Moçambique. Parece-me não haver o efeito a que eu chamo de osmose, porque acontece por proximidade e contacto. Não parece haver osmose com outras regiões do país, nem com o resto do mundo, nem com as autoridades e entidades ligadas à arte e ao comércio. Assim sendo, estes artistas fazem o que sabem e não o que podem. Podem muito mais, mas não se lhes proporcionam os horizontes necessários para que a sua criatividade e habilidade artesanal possa criar trabalhos muito mais atraentes e muito mais rendosos. E é pena! Fernando Aidos
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Nos últimos dias estive envolvida com a formação de voluntários para os X Jogos Africanos. O evento vai acontecer nas províncias de Maputo e Gaza, de 3 a 18 de setembro próximo. Participam dos jogos 48 países do continente africano, na disputa de 24 modalidades esportivas. O evento promete movimentar o sul do país. O Cojito, mascote do evento, já pode desde agora ser visto em cartazes, outdoors e banners espalhados pela cidade.
Para receber os jogos, seis mil voluntários estão sendo preparados e a formação deles em diversas áreas, como protocolo, bem servir, emergência em saúde e outros foi feita pela empresa AR Broadcasting, que me contratou para o curso na área de comunicação (como se comunicar com os diferentes públicos que estarão presentes, comunicar bem para servir bem, o papel do voluntário, a importância da comunicação correta, que tipo de informação é necessária em um evento como esse, etc.) Foi uma experiência muito boa. O contato com seis mil pessoas que trabalharão como voluntárias no evento, de variadas faixas etárias, com diferentes experiências de vida, que chegaram a este trabalho por diversas formas, foi muito enriquecedor. No final do curso eu sempre abria espaço para ouvir os participantes e nessa hora todos ganhávamos. Aprendi muito com os voluntários, tive contato com gente que está realmente interessada em ajudar seu país a fazer o melhor evento e mostrar que é capaz. Tenho certeza que o sucesso dos jogos vai contribuir para que essas pessoas percebam que são capazes de ir além e fazer muito por seu país. Espero que essa disposição contamine aqueles que estão próximos dos voluntários e que se inicie então um clico virtuoso de auto-estima, que o moçambicano precisa tanto. Boa sorte e bom trabalho a todos os envolvidos nos X Jogos Africanos! Sandra Flosi Recentemente descobri o site do Guia Turístico de Moçambique. Traz informações sobre clima, fauna, flora, cultura do país e das províncias.
É muito bem feito. Nele se descobre, por exemplo, que os povos primitivos de Moçambique foram os bosquímanes (ou bosquímanos ou khoisan). Entre os anos 200 a 300 D. C. é que vieram os povos bantos, oriundos da região dos Grandes Lagos, que empurraram os povos originais da região para áreas mais pobres, ao Sul. No final do século VI, surgiram nas zonas costeiras os primeiros entrepostos comerciais patrocinados pelos Swahilárabes que procuravam a troca de artigos por ouro, ferro e cobre vindos do interior. No século XV é que se inicia a dominação portuguesa, com a chegada de Pêro da Covilhã às costas moçambicanas e o desembarque de Vasco da Gama na Ilha de Moçambique. Tem informações sobre como tirar o visto para ingresso no país, a moeda (o metical), feriados, endereços e telefones de embaixadas, aeroportos e muito mais. Além, claro, de dicas de locais para se visitar. Tudo muito completo, com endereços de lugares para se hospedar, compras, informações de serviços e lazer. Percebi que ainda tem informações a serem completadas, mas, no geral, é uma boa dica para quem visita o país. Sandra Flosi Moçambique foi muito recentemente visitado pelo Secretário-Geral da Organização Mundial do Turismo, Taleb Rifai. Durante a sua visita, revelou que África apenas factura 5% das receitas mundiais geradas pelo Turismo, o continente africano é somente visitado por 50 milhões de turistas. Apesar do enorme potencial turístico de Moçambique, ainda é uma actividade económica muito adormecida no país.
O país detém, de facto, um enorme potencial turístico, fruto, essencialmente, da sua beleza natural e da sua localização geoestratégica, no entanto, não tem uma grande capacidade de captação e atracção turística. De um modo geral, o país não entra ou não faz parte dos roteiros turísticos dos grandes operadores internacionais. Não é considerado um destino turístico relevante. Esta percepção, é extremamente penalizante para o país, porque o turismo poderia supor uma importante fonte de ingressos e empregos. Penso que para esta percepção, contribuem um conjunto de factores, nomeadamente, a ausência de infra-estruturas que são consideradas essenciais. Como a ausência de infra-estruturas de transportes, de saneamento básico, de unidades hospitalares e de unidades hoteleiras. Entenda-se, ausência como falta de qualidade. Também é provável, o país ser considerado um destino de risco para os potenciais visitantes, nomeadamente, ao nível da segurança e ao nível sanitário. Creio que, o primeiro passo deveria ser dotar o país das infra-estruturas que carece, o segundo passo deveria ser uma forte aposta no capital humano para desenvolver esta actividade (formação de mão-de-obra especializada) e um terceiro passo deveria ser o desenvolvimento de uma marca para o país. É essencial uma forte aposta ao nível do marketing. Estes seriam alguns dos passos necessários para o país ser considerado pelos grandes operadores turísticos e fazer parte dos destinos a ser considerado pelos potenciais turistas. Enquanto, estes passos não se verificarem, penso que Moçambique apenas será um destino para os apaixonados por África. Miguel Amaral Tem sido muito difícil encontrar situações diferentes das que estava acostumada no Brasil e não generalizar, não pensar que todos em Moçambique fazem da mesma forma. Mas tento sempre lembrar que estou em Maputo, que representa apenas uma cidade, no sul do país. No entanto, quando ouvimos um mesmo tipo de história que se repete com várias pessoas, a tendência é achar que acontece mesmo em todo lugar.
Não sei se as relações trabalhistas fora de Maputo são diferentes do que se vê aqui. Vou tentar investigar e contar depois. Mas fico sabendo de cada caso… de arrepiar até o último fio de cabelo. Muitas vezes, tem a ver com o senso de propriedade que o patrão tem de seu empregado. Já falei aqui sobre a questão dos turnos. Ela mostra o quanto o empregador quer o empregado dependente e totalmente vinculado a ele, sem poder sequer estudar e se desenvolver. Outra situação que tem a ver com essa exigência de comprometimento além da medida do razoável é a divisão dos problemas sem divisão de lucros. A não ser algumas empresas multinacionais, que oferecem alguma espécie de abono a seus funcionários no final do ano (quando o ano foi bom, claro), em geral, aqui não existe a discussão da divisão dos lucros. Afinal, o lucro é do dono e quanto mais melhor. Mas se a empresa tem prejuízo, aí é de todos. Já ouvi algumas histórias que ilustram isso e vou relatar duas. Um sujeito abriu uma empresa na expectativa de ter muitos clientes logo no primeiro mês. Contratou dois ou três funcionários, que assinaram um contrato de trabalho para receber determinado valor no fim do mês. Os funcionários iam todos os dias. Eu mesma vi vários dias eles sentados à frente da empresa, à espera de trabalho. Mas os muitos clientes que o dono achou que teria não apareceram. Ao final de um mês, os funcionários não tinham trabalhado praticamente nada. No dia de pagar, o patrão informou que pagaria só a metade, porque eles não tinham trabalhado o tanto que se esperava. Em nenhum momento durante o mês isso foi discutido ou essa possibilidade foi colocada aos empregados, para que eles pudessem se prevenir ou até escolher se ficariam ali ou não. A parte deles no negócio foi feita. Foram todos os dias e esperaram ter trabalho para executar. Tentaram argumentar isso e muito mais, mas o patrão foi irredutível. Para não ficar sem nem a metade do valor, aceitaram. Brigar na justiça poderia levar tempo e os filhos em casa têm fome. Em outro caso, uma pessoa trabalhava na área administrativa de uma loja de móveis. Em determinada semana, houve pouco movimento na área dela. O dono da loja observou e avisou: no fim do mês, não vou pagar por essa semana, você quase não trabalhou. Mas ela esteve lá todos os dias, no horário, tendo ou não muito trabalho a fazer. Não importa, a lei de certos patrões aqui diz: trabalha menos, recebe menos. Ainda que não se trate de trabalho que dependa de comissões, ainda que haja um contrato dizendo o valor fixo do salário. Eu tenho percebido que, na média, as empresas moçambicanas carecem muito de falta de planejamento. Eu nunca fui amiga dos planejamentos empresariais feitos em reuniões mirabolantes, que definem missões, visões, objetivos estratégicos e depois ficam guardados em uma gaveta esperando as próximas reuniões de planejamento estratégico. Mas acho que o mínimo de organização e previsão para o futuro da empresa deve existir. Exatamente porque a empresa lida com muitas vidas e atinge muitas famílias, deveria ter a seriedade e a responsabilidade de arcar com suas ações. Se uma pessoa abriu uma empresa e não tinha dinheiro sequer para pagar o primeiro mês de salário de dois funcionários, contava apenas com o que possivelmente entraria dos clientes, essa pessoa não deveria sequer ter aberto a empresa. Mas não é assim que temos visto funcionar… E o pior é que quando conto, nas rodas com os amigos, os casos que conheço das difíceis relações trabalhistas por aqui, sempre tem alguém que conta uma nova história do gênero, que já viveu ou viu outro alguém vivendo situação parecida. Sandra Flosi “A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem”, estabelece o artigo 3.º da Constituição da República de Moçambique.
Sem preocupação de muito rigor, podemos conceituar o “Estado de Direito” como o Estado cuja actuação se subordina ao Direito, devendo os seus actos prever-se, conformar-se e fiscalizar-se de acordo com normas aprovadas por organismos competentes, de acordo com mecanismos também previamente fixados. A construção desse “Estado” na República de Moçambique é um caminho que começou já com a proclamação da independência nacional e concomitante constituição da República Popular de Moçambique e que ainda se trilha no momento presente, com os “solavancos” próprios de um País com apenas trinta e seis anos de existência. Note-se que desde o ano da criação da República Popular de Moçambique (1975) até o ano de 1990, o País viveu sob a vigência da chamada “Constituição de Tofo”, nos termos da qual, o Estado era guiado pela linha orientadora da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) partido único, instituído como o único representante das aspirações do povo moçambicano. O texto constitucional de 1990 veio indicar novo rumo no figurino jurídico político moçambicano ao instituir o multipartidarismo e reconhecer um conjunto de direitos, liberdades e garantias fundamentais, contribuindo para um decisivo e importante avanço na construção de um Estado que actua sob a Lei, que é fiscalizado nos termos e com base na mesma Lei e que responde nos termos da mesma perante o seu povo. De lá para esta parte merece ainda destaque a revisão constitucional ocorrida em 2004 que se apresenta, contudo, como uma reafirmação dos ideais de 1990, sem apresentar grandes alterações na base do sistema jurídico-político moçambicano. Mas, a que propósito vem esta introdução jurídica deste pequeno texto? Vem ela a propósito de uma certa sensação que parece estar a se generalizar na sociedade moçambicana: a sensação de que enquanto aos cidadãos se exigem diversos sacrifícios, enquanto a estes se exige o estrito cumprimento das leis (sob a constante ameaça de penas e até repressões policiais e outros mecanismos intimidatórios), os detentores do poder político e de altos cargos na estrutura do Estado parecem ter a liberdade de andar à margem da Lei. Tem sido constante a tentação de transformar todos os actos dos ocupantes de cargos de chefia no Estado em exclusivos actos do Rei, actos políticos que podem ser tomados e executados com o suporte exclusivo da “legitimidade política” (uma ficção, ela própria, de contornos extremamente ténues e bastante duvidosos) à margem do ordenamento jurídico que supostamente a todos devia cobrir e que todos deviam cumprir. Constrói-se e consolida-se, com a atitude de certos dirigentes, a nociva ideia de que o Direito é a voz do poder para os seus súbditos, não estando o próprio poder vinculado a ele. Um exemplo actual e bastante elucidativo foi o que ocorreu com a nomeação, pelo Ministro do Interior (correspondente a “Ministro da Administração Interna” em outros quadrantes PALOP), do Director Nacional da Polícia de Investigação Criminal. O Qualificador Profissional do Director de Investigação Criminal e do Chefe de Departamento de Instrução e Investigação, aprovado pelo Conselho Nacional da Função Pública em 03 de Agosto de 2004, estabelece expressamente como um dos requisitos obrigatórios e cumulativos para o cargo de Director de Investigação Criminal “possuir, no mínimo, o nível de licenciatura em Direito ou equivalente”. Ora o nosso bom ministro decidiu então nomear um cidadão, funcionário do Ministério do Interior, que ainda frequenta, à presente data, o quarto ano do curso de licenciatura em Direito. A nomeação criou muito mal-estar nos circuitos atentos da imprensa e do mundo académico moçambicanos. Foram dezenas de artigos nos principais jornais da praça e debates televisivos sobre o assunto que, na verdade, não davam em nada. Interpelado por certa imprensa para explicar esta grave ilegalidade o Ministro reconheceu a mesma mas rematou: “vou mantê-lo porque ele tem experiência!” Ficou assim claro que aquele acto já não era mantido por ignorância ou falta de atenção por parte do Ministro. O motivo da manutenção do acto era claro: o Ministro conhecia a lei mas deliberadamente não a queria cumprir! Esse golpe frontal e manifesto ao jovem estado de Direito moçambicano só veio a sanar-se meses depois quando o Ministro, já farto das críticas e do falatório popular, decidiu exonerar o Director e substituí-lo por outro com os requisitos legais. Um exemplo concreto e que parece minúsculo, mas que revela, de modo claro, a tensão que parece existir entre o mundo perfeito da estrutura jurídico-legal do País e aquilo que representa o dia-a-dia da actuação dos detentores dos cargos do poder político. Por lei, o Estado deve subordinar a sua actuação aos comandos legais sendo que é dos altos dirigentes da nação que se espera ver esse exemplo. Os altos dirigentes da Nação à altura da sua tomada de posse, juram respeitar e fazer respeitar a Constituição e as leis, pelo que é de difícil entendimento o facto de ser justamente alguns deles a atropelar de modo manifesto e despreocupado essa constituição e essas leis. As causas deste modo de actuar mergulham-se em raízes profundas que não temos agora a pretensão de conhecer por completo muito menos de poder abordá-las neste pequeno texto de opinião. Uma delas pode dever-se à pura ignorância e deficiente cultura jurídica de certos dirigentes, os quais, escolhidos na base exclusiva da confiança política, pouco sabem e em pouco se preocupam por conhecer a legislação que rege a sua actuação. Não se pretenderá que todo e qualquer dirigente seja exímio conhecer de todas as leis do seu País – qual jurista! – mas que aquele que aceita servir o Pais num alto cargo dirigente se esforce por dominar um conteúdo legal mínimo e se faça rodear de técnicos capazes de assegurar a legalidade da sua actuação. Outra das causas pode ser, como antes notámos, a permanente tentação de entender todos o actos dos altos dirigentes do estado como actos políticos que, nessa qualidade estariam isentos e qualquer fiscalização quanto à sua legalidade. Não se defende, obviamente, a completa jurisdicização da política – como com espanto em certa campanha eleitoral num dos PALOP um dirigente pretendeu, levar à cadeia todos os que governam mal o País! – mas sim perceber que existem certos actos enquadrados no conjunto de competências dos dirigentes políticos que se encontram sujeitos a formalismo legais de carácter imperativo. A desobediência de tais formalismos e de tais preceitos devia ter sanções para o dirigente. Sanções essas que também se concebe que sejam meramente políticas e que estejam na discricionariedade do titular hierarquicamente superior. Na verdade, o povo tem dificuldade em perceber porque é que as suas infracções são severamente punidas ao passo que as deliberadas prevaricações dos dirigentes políticos passam sem qualquer reparo e muito menos qualquer sanção. A construção do Estado de Direito passa mormente pela assumpção da “cultura de legalidade”. Essa assumpção deve vir do topo à base, no entendimento de que o edifício jurídico construído para reger o Estado não é apenas um conjunto de normas destinadas a regular a actuação do povo, dos menos fortes, mas sim um conjunto de normas que a todos vinculam e por todos devem ser cumpridas. O edifício jurídico não aparece como mera ficção desligada da actuação do dia-a-dia antes devendo enformar e consubstanciar essa actuação. Por outras palavras, precisamos todos de entender a necessidade de ultrapassar a ideia de “estado de direito” visto como mera ficção, como algo que só está nas leis para assumi-la como ideia reitora da nossa actuação: um Estado de Direito que se realiza na nossa actuação. Gil Cambule Um barulho na madrugada nos acorda. Vamos até a varanda ver o que se passa e o vizinho tem uma discussão com o segurança. Mesmo do segundo andar é possível perceber que o vizinho está bastante alterado pelo álcool. Não temos como interferir. Voltamos para a cama, para tentar dormir, apesar da barulheira na rua.
Minutos depois toca a campainha. É o segurança, reclamando que o vizinho bateu nele, porque o pegou cochilando. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Há cerca de dois meses, outro segurança tocou a campainha de casa, chorando, afirmando ter apanhado do vizinho. Desta vez era mais cedo, ainda estávamos acordados. Fomos ao encontro do vizinho, na escada, ver o que se passava. Em momento nenhum ele negou ter dado safanões no empregado. E quando tentamos argumentar que talvez essa não fosse a melhor maneira, ouvimos: “vocês são estrangeiros, não sabem nada. Aqui funciona assim, se não for assim, não trabalham”. Vale observar que ele pode até ter nascido em Moçambique, mas é visto como estrangeiro pelos moçambicanos nativos “de raiz”, porque é de origem indiana. É o chamado “munhé”. Como o cheiro do álcool já estava quase nos deixando bêbados, resolvemos não discutir nessas condições e tudo que fizemos foi aconselhar o segurança a procurar a esquadra (delegacia) e relatar o ocorrido. O jovem o fez e no dia seguinte pediu demissão. Nunca mais tivemos notícia do caso. Em conversa com outro funcionário do prédio depois da segunda ocorrência, soube que este também já tinha sofrido agressão por parte do mesmo vizinho. Eu não tinha ficado sabendo e acho que nem ficaria se não tivesse puxado o assunto. Ele comentou que já aconteceu com ele, assim, como se comenta que se comeu pão com manteiga de manhã. Para ele, pode não ter sido bom, mas é algo visto como normal. Provavelmente, pela polícia também. Porque o segundo que bateu à nossa porta também fez registro de ocorrência na delegacia e até agora não temos notícia de que tenha acontecido nada em nenhum dos dois casos. Já relatei aqui, em outro texto desta série sobre as relações trabalhistas em Moçambique, que a violência física é algo tratado como parte da relação trabalhista. Para mim, nunca uma herança tão obscura dos tempos da escravidão poderá ser aceitável. Juntando os casos relatados no primeiro texto da série e esses que aconteceram literalmente na porta da minha casa, percebo muito das razões pelas quais todo trabalhador em Maputo é tão submisso, tem sempre cara triste, ar pesado e fica até surpreso quando nos dirigimos a ele para um obrigada ou qualquer outra palavra de educação que se deve usar normalmente a alguém que está a te servir. Sandra Flosi Segundo o Economist Intelligence Unit (EIU) as exportações moçambicanas vão conhecer um impulso nos próximos dois anos, com o aumento das vendas de alumínio, gás, carvão e produtos agrícolas. As projecções apontam para um acréscimo de 3,4 mil milhões de dólares para 3,6 mil milhões de dólares em 2011. Uma consequência do aumento do preço das commodities.
O mix das exportações moçambicanas é dominado pelo alumínio, as previsões apontam para o aumento da procura mundial nos próximos dois anos de 5,7%. As exportações de carvão também possuem um enorme potencial na economia moçambicana, no entanto, um potencial de certa forma coartado pela ausência de infraestruturas adequadas para escoar os produtos. É previsível que a produção possa atingir 6 milhões de toneladas que poderão alcançar o valor de 11 milhões de toneladas em 2014. Como já foi referido o grande problema é ausência de infraestruturas condignas que permitam um eficaz escoamento dos produtos, a título de exemplo, a linha do Sena (recém-reconstruida) para o porto da Beira tem uma capacidade máxima apenas de 5 milhões de toneladas anuais. Por isso, não surpreende, o facto, da brasileira Vale apostar numa outra linha que faça a ligação com o porto de águas profundas de Nacala e a Riversdale considerar o transporte através de barcaças no rio Zambeze. Também é importante referir o impacto positivo do gás natural e dos produtos agrícolas nas exportações moçambicanas, resultado do esforço das políticas do Governo moçambicano. Para 2012 é esperado uma exportação destes produtos em torno dos 4 mil milhões de dólares. Segundo a publicação britânica, o deficit comercial dos serviços deverá recuar, com as importações ligadas ao sector mineiro a serem mais do que compensadas pelas exportações do sector do turismo. Também é expectável um aumento das importações relacionadas com o aumento do preço do petróleo e com o aumento da procura relacionada com os grandes projectos de exploração de matérias-primas do país e a respectiva necessidade de desenvolvimento de infraestruturas. No entanto, o deficit comercial moçambicano para 2012 deverá registar uma contracção para 9,7% do PIB, frente aos 12,3% que se deverão registar em 2011. Devido ao crescente investimento na exploração de recursos minerais e de infraestruturas, a EIU estima um crescimento médio da economia moçambicana de 7,4% para 2011 e 2012. Em conclusão, as potencialidades correspondem a exploração de recursos minerais do país e dos recursos agrícolas, como vulnerabilidades podemos apontar a ausência de infraestruturas logísticas que permitam o rápido escoamento dos produtos, como oportunidades apontamos a respectiva construção das infraestruturas necessárias. Ricardo Amorim Há alguns meses tive que realizar uma série de contratações de professores. Nas entrevistas, os que mais me interessavam, os profissionais atuantes em emissoras de rádio, televisão ou agências de comunicação, sempre apresentavam um problema: os turnos de trabalho em seu emprego principal.
Explico: a escola seria um emprego secundário, uma vez que o profissional viria para uma hora e meia ou duas horas e trabalho e receberia no fim do mês um valor correspondente a isso e não a um salário cheio para sustentar a família. No entanto, em seus trabalhos, seus horários não são fixos. Uma semana faz a manhã, na outra faz a noite, e na terceira nem se sabe. Há empresas que definem o turno dia a dia. Hoje, ao sair, o funcionário fica sabendo a que horas vai trabahar amanhã. Assim, não se pode marcar uma consulta médica, não se pode fazer um curso, não se pode ser professor. E eu argumentava: “mas se disser à sua chefia que vais dar aula, isso é bom para a empresa, ter um funcionário que é professor… não consegues negociar para ficar sempre no mesmo horário?”. Aí é que a coisa piorava. A chefia não poderia nem sonhar que seu funcionário estava dando aulas. Alguns até conseguiram um jeito para dar as aulas em cursos de curto período (são todos cursos de cerca de três meses, profissionalizantes), trocando os turnos com colegas, semana a semana, em um super esquema de ajuda sem que as chefias desconfiassem. Mas, se fossem descobertos, teriam que escolher. Afinal, na visão dessas gerências e diretorias, ter um rendimento extra não é interessante, porque o funcionário passa a não depender totalmente daquela empresa e pode começar até a exigir direitos. Depois, tive mais uma vez contato com o problema dos turnos quando um rapaz interessado em fazer o curso de digitação rápida, que dura um mês, disse que não conseguia fazer porque no supermercado onde trabalha a cada semana ele tem o horário alterado. Então, ele só poderia vir semana sim, semana não, uma vez que o curso é sempre no mesmo horário. Como o curso é bastante individual, cada aluno tem um computador e segue suas lições independente dos outros, ele fez a matrícula e está a freqüentar o curso em dois meses. Semana sim, semana não, ele está lá. Na mesma época, um amigo moçambicano resolveu mudar o esquema de trabalho em sua empresa. Até então, metade dos funcionários trabalhava pela manhã e início da tarde e a outra metade entrava no fim da manhã e ficava até o início da noite. Todos faziam os mesmos horários todos os dias. Assim, os que entravam no fim da manhã podiam se programar para fazer cursos e ter compromissos próprios de manhã e os que saíam no meio da tarde tinham o fim do dia para isso. Três desses que entravam cedo estavam até a fazer faculdade à noite. Eis que o amigo vem comentar comigo que vai alterar: vão trabalhar cada semana num turno. Eu tentei argumentar que não seria justo com aqueles que faziam faculdade, que não poderiam mais cursar indo uma semana sim outra não. E, por outro lado, a empresa não ganhava nada com isso, porque o número de funcionários em cada horário continuaria o mesmo. “Se o funcionário tem comprometimento com a empresa tem que ser assim, não pode ter outras coisas para fazer, tem que se dedicar com exclusividade até que a empresa tenha condições de permitir isso”, foi o que ouvi. Contando os casos para uma outra amiga, brasileira, que trabalha na área administrativa de uma empresa, ela falou que sofre com questão semelhante, porque o dono da empresa não facilita em nada o acesso dos seus funcionários ao estudo. Se um funcionário pede para sair uma hora mais cedo porque se matriculou na escola, ela pede o comprovante da matrícula com o horário e adapta a jornada do funcionário, diminuindo o horário do almoço até o limite permitido pela lei ou fazendo com que entre mais cedo. E então, o dono da empresa, desautoriza e diz que não se pode dar flexibilidade para esses casos. O que ele chama de “esses casos” poderiam ser a contribuição para uma empresa melhor, com funcionários mais bem qualificados, gente mais produtiva e, com certeza, animada para trabalhar, em reconhecimento pela empresa ter contribuído com sua formação. Mas, a pergunta que fica é: será mesmo que esse tipo de empresário quer funcionários mais bem preparados? Sandra Flosi A imprensa moçambicana acaba de anunciar que o subsídio ao combustível é maior do que o Orçamento dos Jogos Africanos. Segundo a imprensa, o Governo desde 2008 já desbloqueou US$ 352 milhões ás gasolineiras, enquanto os Jogos Africanos estão orçamentados em US$ 250 milhões. O Governo moçambicano está a atingir um ponto de ruptura, com a importação dos combustíveis a atingir o valor de US$ 500 milhões contra os US$ 300 milhões de 2008 (auge da crise petrolífera).
O Governo argumenta que a forte subvenção estatal dos combustíveis está a provocar um efeito de paralisação da economia, porque muitos projectos estruturantes estão paralisados por falta de recursos. Por outro lado, a ausência de subvenção faz disparar o custo de vida, nomeadamente, nas classes mais desfavorecidas, ainda estão bem presentes na memória os fortes protestos sociais que ocorreram em Maputo. Perante, este cenário, parece que as políticas para o controlo da inflação em Moçambique revelaram-se insuficientes, nomeadamente, a política monetária. O agravamento das taxas de referência e o aumento do coeficiente de reservas legais não teve o efeito desejado e suficiente para suster no mercado interno a subida do preço do crude verificado nos mercados internacionais. No entanto, se Moçambique tivesse feito uma aposta forte na agricultura poderia ter-se aproveitado do aumento dos preços dos bens alimentares verificado nos mercados internacionais, bem como de certas commodities que o país produz, mas por alguma razão inexplicável não contribuem como deveriam para a receita do Estado. Este culminar de circunstâncias contribui para a fragilidade fiscal do país. Sem mencionar que existe uma enorme parcela da economia moçambicana que não é tributada. Se adicionarmos à fragilidade fiscal do país a sua dependência energética entramos num ciclo vicioso de difícil saída, a não ser que se descubram jazidas significativas de petróleo na costa moçambicana. Creio que faria sentido e teria toda a lógica em primeiro lugar reduzir a dependência energética do país face ao exterior e em segunda lugar estudar a viabilidade de fontes alternativas em Moçambique. Apesar, de ser sempre um tema polémico, parece-me que Moçambique tem potencial para produzir biocombustíveis, seria o primeiro passo importante para reduzir a sua dependência face ás importações de combustíveis, a segunda alternativa seria estimular a produção de energia eléctrica, nomeadamente, através do recurso de Mini-Hidricas de acordo com as necessidades de cada pólo urbano, em terceiro lugar promover o desenvolvimento de energias limpas, por exemplo, a instalação de vastos campos de painéis solares com produção significativa. Por fim, creio que seria importante, promover uma redistribuição mais equitativa da população por todo o território moçambicano, seria uma forma de descomprimir a tensão urbana que se faz em Maputo e que contribui para a pressão energética que se faz sentir. Miguel Amaral |