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Maputo
Alguns amigos, conhecedores de nossos hábitos ciganos (casados há 12 anos, já moramos em cinco cidades, sete casas diferentes) nos perguntam às vezes: “quando saírem de Maputo, para onde vão?” Não sei ainda. Mas sei que quero morar em uma cidade que não seja um grande banheiro público, onde cada árvore e cada poste não seja visto como um mictório. Está aí uma coisa realmente desagradável. Na verdade, divide-se em duas situações desnecessárias: o cruzar com pessoas a urinar em toda parte e o cheiro que fica quando essas pessoas se vão.
O assunto pode parecer banal quando se vive em um lugar no qual o xixi na rua é assunto só no carnaval. Mas isso 365 dias por ano é nauseabundo, para dizer o mínimo. E é tão sério aqui que já ganhou espaço (e muito) no blog do conceituado sociólogo Carlos Serra e até tem sido alvo de políticas públicas. Em 2007, Carlos Serra perguntava: Por que urinamos e defecamos ao ar livre? E ele mesmo sugeriu cinco hipóteses, para abrir a discussão: (1) Porque as pessoas não têm hábitos de higiene; (2) Porque não existem sanitários disponíveis; (3) Porque as pessoas possuem ainda hábitos rurais; (4) Porque não existe o sentido do pudor; (5) Porque se considera que o mar e os rios são sanitários naturais e ideais. O sociólogo observa que “urinar nas ruas, nos muros e nas árvores da cidade de Maputo é uma prática tradicionalizada. Não existe qualquer sentido de contravenção penal”. No post Imbróglio: como se evitar a xixização urbana?, ade 2008, Carlos Serra observa, logo de cara que a pergunta é terrível, mas que vinha sendo sugerida pelos leitores, que pediam ao blog uma campanha anti-xixi. Outra blogueira, a Luisa Black, autora do blog Devagar…, conta sua experiência pelas ruas da cidade e sua visão da situação esdrúxula que vivemos: “Quem, como eu, anda pelas ruas e quem, como eu, gosta de apreciar a diversidade que vibra por todo o lado, vai certamente surpreender-se com a população a fazer descontraidamente xixi na rua… Então, quando não chove, cheira mal. Não há casas de banho públicas na cidade. Há quem venha diariamente de longe… sem ter o hábito de ir ao café, luxo de poucos… Fazer o quê?”. E o assunto parece ser recorrente, porque, assim como vimos posts do Carlos Serra de 2007 sobre o assunto e agora aqui estamos a tratar de novo do mesmo, as notícias sobre tentativas do governo de resolver isso também se repetem. O jornal Notícias, de janeiro de 2007, traz matéria onde o governador de Nampula, Felismino Tocoli, defende a “aplicação de medidas administrativas como forma de eliminar o fenômeno do fecalismo a céu aberto no município da Ilha de Moçambique, considerado uma das causas que, no ano anterior, contribuiu para a redução significativa do número de turistas naquela região, além do surgimento de doenças, sobretudo a cólera“. De acordo com o texto do jornal, o governador pressupõe que as pessoas sabem do perigo que o fecalismo a céu aberto constitui para a saúde pública. Informações da matéria dão conta que em 2006 a Ilha de Moçambique teve mais de 600 pessoas afetadas por cólera, cinco delas tendo morrido. Recentemente, em notícia de 25 de julho deste ano, o blog Moçambique para Todos traz mais uma vez o assunto, mais uma vez tendo como exemplo a Ilha de Moçambique. A administração do lugar resolveu aplicar uma nova estratégia para combater o que o jornal chama de fenômeno: construir barracas de vendas de produtos alimentares ao longo da costa. Apesar da apreensão que me causou ver a informação, o que se seguiu foi alentador: parece que a medida (arriscada, convenhamos) surtiu efeitos positivos. A iluminação das barracas e o movimento de pessoas que estas promovem têm sido elementos desencorajadores para a prática de fazer cocô e xixi na praia. Observemos, no entanto, que o administrador da Ilha de Moçambique, António Saúl, contou ainda que, paralelamente, têm sido realizadas atividades desportivas nas praias, bem como campanhas de limpeza e de sensibilização sobre a necessidade do uso de latrinas ou sanitários públicos, que foram construídos em certas zonas do município. Ou seja, talvez apenas a punição não seja o caminho. Talvez em 2007 as pessoas não soubessem tanto dos perigos da nauseabunda ação como pensava o governador Felismino Tocoli. Vamos acompanhar se a solução acontece de fato na Ilha de Moçambique e, caso o resultado seja positivo, torcer para que seja replicada em outras zonas do país. Sandra Flosi
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