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Maputo
A propósito das medidas do Governo Moçambicano para mitigar os efeitos da crise financeira mundial4/12/2011 Confrontado com as violentas manifestações populares dos dias 1 e 2 de Setembro de 2010 contra a subida do custo de vida, o Governo moçambicano veio a público anunciar um conjunto de medidas que, no seu entender, respondiam às inquietações populares. Entre as referidas medidas, o Governo decidiu manter o subsídio às gasolineiras, introduziu o subsídio às panificadoras e criou o subsídio ao arroz de terceira. Com estas medidas, conseguiu o Governo que os preços dos transportes, do pão e do arroz continuassem administrativamente estacionários e sem qualquer alteração desde aquela altura até momento presente.
Não foi anunciada na altura qualquer medida que se destinasse a estimular a produção e o aumento da produtividade, sobretudo no sector agrícola, que emprega maior parte da população nacional. Vários economistas criticaram aquelas medidas por as mesmas não serem sustentáveis e se basearem mais em fundamentos políticos, populistas e eleitoralistas do que propriamente numa base económicamente clara e devidamente estruturada. Na verdade, nunca foi claramente revelada a fonte de onde o Governo retiraria os montantes para aqueles estranguladores subsídios. Tudo o que se ouviu foi que o Governo socorrer-se-ia das poupanças resultantes da redução de viagens dos dirigentes do Estado e do congelamento das promoções na função pública; fontes claramente insuficientes para aquilo que o Governo se comprometia a dar, como subsídios. Ficou assim a ideia clara de que um «buraco» enorme se estava a criar em algum lugar qualquer das contas públicas; «buraco» que um dia se revelaria e, mais uma vez, o povo seria chamado a tapar. Em 29 de Março de 2011, passados sensivelmente seis meses após o anúncio daquelas medidas, o Governo, na voz do seu Ministro de Planificação e Desenvolvimento, Aiuba Cuereneia, veio brindar o povo com novas decisões: - Corte do subsídio aos combustíveis; - Corte do subsídio às panificadoras; - Corte do subsídio ao arroz de terceira; - Introdução do subsídio «aos transportados» na forma de passe; - Introdução do súbsídio de alimentação na forma de «cesta básica» aos cidadãos com rendimentos inferiores a dois mil meticais (cerca de sessenta dólares amercanaos). Portanto, por um lado, o Governo veio a público reconhecer o completo falhanço das medidas anunciadas aquando das manifestações de 1 e 2 de Setembro de 2010. Mesmo que se aceite que aquelas medidas foram sempre tidas como transitórias, fica evidente o falhanço, porquanto o Governo apenas as substitui por outras, que, como veremos, são mais graves do lado do povo, reconhecendo-se assim que aquelas primeiras foram totalmente ineficazes para conter a galopante subida do custo de vida. Passemos a analisar a fundo o alcance e o significado das medidas ora introduzidas. Há que salientar, desde logo, que os cortes dos anteriores subsídios são para todos os cidadãos, havendo, entretanto, restrições quanto aos beneficários das novas medidas introduzidas. Com efeito, no que em específico se refere ao chamado «subsídio para os transportados», o mesmo só irá vigorar nos centros urbanos. Promete o Governo pagar o equivalente a 75% do custo de cada viagem intra-urbana, ficando o cidadão por pagar os remanescentes vinte e cinco por cento. Para materializar a dita medida, introduzir-se-á o passe. Como primeira nota, deve salientar-se que este passe, em princípio, é apenas dirigido aos «trabalhadores» (leia-se trabalhadores do sector formal). Entretanto, nos tais centros urbanos onde pretensamente este passe será introduzido, mais de setenta por cento da força de trabalho e, consequentemente, mais de setenta por cento da produção encontra-se enquadrada no sector informal. Portanto, o tal subsidio aos transportados servirá apenas os que alimentam a pesada máquina burocrática do Estado, deixando de lado uma larga percentagem da população que no dia a dia, enfrentando indiscritíveis difuiculdades, luta por produzir riqueza para este País. A segunda nota importante é mesmo sobre a quase impraticabilidade desta medida. Com efeito, o sector de transportes em Moçambique, nomeadamente nos seus centros urbanos, é simplesmente caótico. Com efeito, no seu dia-a-dia, os cidadãos contam com os serviços das transportadoras públicas, que não cobrem nem dez por cento das necessidades; com um sector de transportes privado, altamente problemático e que se queixa de falta de meios, incentivos e com o sector informal, composto por camionetas de caixa aberta que transporta os cidadãos em condições no mínimo desumana, sob o olhar impotente do Governo. Quem conhece as cidades moçambicanas e já aqui viu como se faz o transporte de pessoas, concluirá facilmente comigo que a ideia de introduzir um “passe” não passa de uma ideia emocional como alguns críticos sociais já avançaram. Não passa de uma miragem, pensar que se possa alcançar, no actual estágio do sector, uma organização capaz de suportar essa ideia. É que uma solução desse nível levanta questionamentos vários. Desde logo, quem deve portar o dito passe? Os trabalhadores do sector formal que não preenchem sequer trinta por cento da força de trabalho? Qualquer cidadão? E sob que critério? Qual o sector de transportes que deverá ser integrado na materialização dessa medida? Apenas o das transportadoras públicas e do sector privado formal? E os informais, não licenciados, que operam sob a tácita aceitação das autoridades e que «caoticamente» contribuem para a movimentação de pessoas e bens? Esses também funcionarão com o passe? Caso não, onde está a justiça desta medida que arbitrariamente beneficia a uns e prejudica outros? Na verdade, tendo em conta que sem subsídios estatais, os combustíveis vão subir significativamente de preço e, por arrastamento, tembém o farão os transportadores, resulta obvio que mesmo com o chamado subsídio aos transportados, os cidadãos continuarão a ter a mesma carga e, eventualmente, passarão a pagar mais do que agora pagam pelo transporte. Já no que se refere à chamada cesta básica também muitos questionamentos se podem levantar. Com efeito, segundo o Ministro da Planificação, a dita cesta (que incluirá arroz, óleo alimentar, arroz de terceira, etc) só será atribuida a cidadãos com rendimentos iguais ou inferiores a 2.000,00 (cerca de sessenta dolares). Não se diz aqui se por «rendimentos» deveremos entender apenas o salário, o que nos levará a pensar que a cesta se destina apenas aos trabalhadores do formal, que podem facilmente provar os seus salários para recebê-la ou se, inversamente, deveremos tomar o termo «rendimentos» no seu mais lato sentido, referindo-nos a todos os activos financeiros que a pessoa adquire por mês, o que quanto a mim será fonte de inúmeros problemas. Como irá a pessoa provar que tem rendimentos abaixo dos dois mil meticais? E que meios terá o órgão estatal para certificar-se desse rendimento do pontencial beneficiário da dita cesta básica? Outra nota importante na anunciada cesta básica é o facto de a mesma só se destinar a cidadãos com rendimento igual ou inferior a dois mil meticais. Ora, em Moçambique o salário mínimo é, por regra superior a dois mil meticais, sendo poucos os sectores que pagam a baixo, nomeadamente o sector da agricultura. Assim sendo, estamos diante de uma medida que irá beneficiar um muito reduzido grupo populacional, porquanto o grosso, mesmo recebendo o salário mínimo, encontra-se acima dos dois mil meticais e, por consequência não tem direito à cesta básica. Significa isto dizer que para esse enorme grupo populacional – que aufere salário mínimo em montante equivalente ou superior a sessenta dólares – resta apenas confrontar-se com a actuação dos mercados, enfrentando os terríveis choques que se avizinham. O preços dos produtos básicos como o combustível, o arroz e o pão, já têm subida anunciada e, pelo andar das coisas, a factura vai cair sobre o lado maias fraco: o do povo. Ainda sobre a anunciada cesta básica, não posso deixar de notar que até o momento presente, o Executivo ainda não se pronunciou sobre os agentes comerciais encarregues pelo abastecimento mediante a apresentação das senhas. Analistas acreditam que este será mais um processo sem stransparência, propiciando a corrupção, já que ninguem conhece os critérios de indicação dos abastecedores. Espero que antes da introdução da medida, este ponto seja bem esclarecido ao povo. Sem surpresas, o FMI já veio aplaudir estas recentes medidas, classificando-as como «medidas corajosas», um verdadeiro elogio do Diabo, elogio de sabor amargo. Os analistas dos eventos sociais e, nomeadamente, os economistas moçambicanos já afirmam claro que estas medidas são paliativas, insustentáveis e desfocalizadas, porquanto não tocam o cerne do principal problema do País: a falta de produção. Parece haver maior interesse em abraçar medidas de impacto aparente, enfeudadas na lógica do populismo do que em seguir pelo caminho do apoio e incentivo à produção e aumento da produtividade. O momento é de crise e a criatividade e empenho dos governantes tendem a ser a peça chave para a volta que se tem de dar à tal crise. O povo quer trabalhar, mas o Governo deve deixá-lo trabalhar e motivá-lo para isso. O momento não é de burocracia pesada e inútil, do despesismo, da pequenez partidária e de palmadinhas no ombro dos corruptos; o momento é de união de forças porque o País está sob ataque. Sob o ataque de uma crise que não criou mas que, contrariamente ao que se pensava, vai mesmo ter de sofrê-la. As medidas anunciadas destinam-se a vigorar a partir de Agosto próximo. Até lá, muita coisa pode acontecer, desde o aligeiramento, o agravamento até a anulação das medidas antes mesmo de elas entrarem em vigor. Tem assim o executivo moçambicano um tempo para medir o pulso popular e, de certo modo, conter a fúria do povo, muito avesso a alterações bruscas do custo de vida. É mesmo caso para dizer que até lá, o povo vai se divertindo com este «pão» e com estes «espectáculos de circo» - panem et circenses à moçambicana – mas de Agosto em diante, ninguém sabe o que vai acontecer. Com a continuação do ambiente de paz, o País pode muito bem enxotar a crise, mas isso implica união de esforços, abnegação e entrega de todos pela causa nacional. A ver vamos! Gil Cambule
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